Planejamento e precificação dos serviços de água e esgoto

21/10/2020

Por Rafaela Franco, Guilherme Checco e Vitor Queiroz

O planejamento dos serviços de saneamento básico representa a primeira etapa deste setor, sem a qual todas as demais ficam extremamente fragilizadas: regulação e fiscalização, prestação do serviço e controle social. É a partir do planejamento que são definidas as metas e as condições para alcançar as mesmas, sendo um processo que demanda uma participação social adequada e transparente. De modo que o planejamento e a regulação dos serviços estão umbilicalmente relacionados. Mas, o novo marco legal do setor, Lei Federal No. 14.026/20, traz consigo alterações significativas na elaboração dos planos de saneamento, especialmente no que tange ao recorte territorial que ele deverá abranger.

No dia 7 de outubro de 2020 aconteceu o 3° seminário de um ciclo de discussões acerca da Revisão Tarifária da Copasa, organizado conjuntamente pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o Instituto Guaicuy, tendo como tema principal a “Universalização do Saneamento em Minas Gerais: o papel dos planos na revisão tarifária da Copasa“. A iniciativa teve como motivação a importância em debater questões acerca do novo marco legal do saneamento, que modifica de forma profunda a função e lócus do planejamento, especialmente onde estiver caracterizado o interesse comum e o compartilhamento da competência da titularidade, com alguns questionamento ainda em aberto a respeito do nível de governança adequado, seja municipal ou então a partir da escala regional e seus agrupamentos de municípios.

Na ocasião deste terceiro debate, participaram Denise Helena França Marques Maia, pesquisadora Fundação João Pinheiro, Poliana Valgas, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e Secretária de Meio Ambiente e Saneamento de Jequitibá, Uende Aparecida Figueiredo Gomes, professora DESA/UFMG e coordenadora Projeto Sanbas e João Batista Peixoto, economista e Consultor em Saneamento Básico. A mediação foi feita por Vitor Queiroz e Guilherme Checco, coordenador de Pesquisas do IDS. Amael Notini e Rafaela Franco colaboraram na organização do seminário, formulação de perguntas e relatoria do mesmo.

Denise iniciou as apresentações tratando do processo de elaboração do Plano Estadual de Saneamento Básico de Minas Gerais (PESB-MG), que adotará a mesma base teórica do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), tendo como eixos estruturantes a universalização, a participação e o controle social, a cooperação federativa, a integração de políticas e a sustentabilidade. Sendo que um dos principais desafios do PESB-MG será a conciliação dos princípios de universalização e sustentabilidade econômica, conjugando a ampliação do acesso dos cidadãos de baixa renda e geração de recursos para realização de investimentos. A pesquisadora Fundação João Pinheiro também abordou o impacto da atualização do marco regulatório, especialmente por sua indução ao aumento da participação da iniciativa privada. Nesse quesito, Denise evidencia a seguinte questão: Qual será a motivação de uma empresa privada para levar o serviço a um município deficitário? Denise finalizou sua fala inicial trazendo alguns aspectos conjunturais da situação econômica, especialmente devido a pandemia, e possíveis consequências para o PESB-MG e o avanço da universalização do saneamento. O principal desafio é, segundo ela, atrair recursos para investimentos considerando a baixa capacidade de pagamento dos serviços pela população, com dificuldades adicionais em função do impacto da pandemia.

ACESSE a apresentação de Denise aqui

A presidente do CBH-Velhas, Poliana Valgas, trouxe à luz a realidade dos municípios daquela bacia hidrográfica sendo, em sua maioria, deficitários quanto aos serviços de saneamento básico. Outro ponto central abordado por Poliana relaciona-se a não implementação de planos já aprovados nas respectivas Câmaras Municipais, sendo observado um contexto de grande dificuldade de execução das ações propostas tanto pela Copasa, empresa estadual de saneamento, quanto pelas Prefeituras.  Poliana relembra em sua fala que não há como pensar em regulação tarifária sem pensar na qualidade dos serviços, e, isso deve ser articulado com os planos de saneamento. E o desafio em municípios de pequeno porte é ainda maior, principalmente nas áreas rurais. Portanto, as companhias de saneamento e as prefeituras devem implementar as ações e os planos devem ser aperfeiçoados para que sejam efetivamente ferramentas de planejamento e gestão pública.

ACESSE a apresentação de Poliana aqui

Figura 1. Mapa dos 51 municípios que integram a bacia hidrográfica do Rio das Velhas. Fonte: CBH-Velhas

Uende fez uma apresentação baseada na experiência empírica do projeto SanBas, com foco em metodologias para planejamento participativo em saneamento e atuação em 30 municípios de todas as regiões do estado de Minas Gerais (parceria entre a UFMG, Fundação Nacional de Saúde – Funasa, órgão vinculado ao Ministério da Saúde – e os municípios). A Profa. enfatizou a falta de clareza quanto ao fluxo de recursos e investimentos no setor, normalmente com capital intensivo na construção de infraestruturas, mas gestão precária da operação e da manutenção das mesmas. O estudo de caso de Catuti foi explorado na sua apresentação, município mineiro no norte do estado e com pouco mais de 5 mil habitantes, para ilustrar exatamente essa lógica presente na política pública brasileira de, quando possível, simplesmente viabilizar recursos para investimentos em infraestrutura cinza, mas sem um planejamento adequado que considere sua necessidade, viabilidade, adequabilidade para a realidade local e especialmente a capacidade de fazer a gestão do mesmo. Em Catuti, segundo o SanBas pode verificar, foi verificado a existência de investimento de capital intensivo para instalação de um reator para tratamento de efluentes, mas sem a capacidade de operação. A mesma realidade, segundo Uende, também foi verificada em Itinga e Manga. Um dos aspectos que mais chama a atenção a partir da atuação do SanBas é a imensa dificuldade em garantir a modicidade tarifária, tendo com a conjuntura de combate à Covid-19 um dificultador de grande escala para os investimentos no setor.

Figura 2. Metodologia de planejamento participativo em saneamento. Fonte: SanBas.

João B. Peixoto iniciou sua fala relembrando que o processo de elaboração da legislação federal de diretrizes para o saneamento básico (Lei Federal No. 11.445/07) considerou o planejamento como peça-chave de toda a política. À luz do que a legislação determinava desde então, o economista afirma que o planejamento é um instrumento de gestão e, portanto, vinculante para o gestor público, que deveria valorizar o mesmo e fazer com que seja cumprido. Na prática, todavia, essa não é a realidade, com algumas exceções. Para Peixoto, o novo marco legal do saneamento trouxe ainda mais problemas e dificuldades para o planejamento. Segundo Peixoto, o interesse em simplificar e, em grande medida, enfraquecer o planejamento tem como justificativa a facilitação para que a iniciativa privada aumente sua participação neste setor. O economista identifica uma alteração estrutural no planejamento inserida no novo marco legal do setor que é a prevalência dos planos regionais em detrimento dos planos municipais:

“Art. 17. O serviço regionalizado de saneamento básico poderá obedecer a plano regional de saneamento básico elaborado para o conjunto de Municípios atendidos. § 2º As disposições constantes do plano regional de saneamento básico prevalecerão sobre aquelas constantes dos planos municipais, quando existirem”.

Outro assunto abordado por Peixoto é uma dificuldade estrutural para que os planos de saneamento efetivamente tenham uma relevância nos processos de revisão tarifária: enquanto os planos são feitos no nível municipal, conforme o antigo arranjo jurídico determinava, as tarifas das empresas estaduais de saneamento, como é o caso da Copasa, são definidas de forma regional. Ou seja, uma tarifa, que é definida para todo o agrupamento de municípios atendimento pela Copasa atualmente, tem pouca capacidade de dialogar diretamente com cada um dos planos municipais. O resultado final é que os planos municipais pouco influenciam na equação financeira da prestação do serviço. Um dos aperfeiçoamentos sugeridos por Peixoto é fazer com que o Plano de Investimentos da Copasa fosse estruturado e consolidado a partir dos planos municipais. O cenário ideal seria que a Copasa tivesse os planos de saneamento de todos os municípios, bem como as previsões de investimentos para o setor em cada município nos planos. Assim, se consolidaria o cronograma de investimentos do município, aplicando-o na planilha de cálculos da prestadora. Seria analisado, com isso, se a tarifa atual é capaz de suprir as demandas do município. Em caso negativo, teria que se analisar o reajuste tarifário necessário.

O novo marco legal do saneamento básico foi objeto de diferentes comentários e questionamentos. Peixoto aponta uma incoerência uma vez que, por um lado, a adesão dos municípios à estrutura regionalizada de prestação é voluntária, por outro lado, a adesão à solução regional é colocada como condição de acesso aos recursos financeiros da União. Denise complementou abordando o aumento da insegurança jurídica. Uende reafirma que o município precisa ser fortalecido para superar seus problemas de saneamento básico e acrescenta a necessidade do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir logo sobre os dois questionamentos constitucionais já apresentados em relação à nova legislação. Poliana por sua vez coloca como um ponto de atenção a atratividade de investimentos dos municípios de menor porte e a necessidade da política pública viabilizar sua universalização.

Uma das mensagens finais oriundas do debate foi que a temática é complexa e, certamente, não terá uma solução simplista, tampouco de caráter tecnicista. Minas Gerais é um Estado extremamente desigual, com especificidades importantes que deveriam ser incorporadas no modelo tarifário. Outro consenso identificado no debate foi o necessário papel protagonista que o município deve ter no contexto do saneamento básico, identificando as dificuldades e limitações atuais e trabalhando para superá-las.

Toda a sociedade deve ser envolvida nesse debate. A compreensão da função estratégica das tarifas para o setor de saneamento básico, mais especificamente para a universalização dos serviços, é essencial, de modo que a questão tarifária deveria ser uma discussão central na área do saneamento, onde, ainda, está restrita a poucos técnicos.  Os processos de definição de tarifas ainda são espaços pouco participativos, principalmente pela forte tecnicidade e linguagem que dificulta a compreensão do assunto.

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O ciclo de debates realizado pelo IDS em parceria com o Instituto Guaicuy para tratar da 2a revisão tarifária da Copasa, empresa de saneamento em Minas Gerais, teve seu primeiro encontro dia 31/7. Acesse AQUI

O segundo seminário, que aconteceu em 31/08 está disponível AQUI

A ONU estabeleceu o acesso à água potável e #saneamento básico como dois direitos humanos, presentes nos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável – ODS 6 da Agenda 2030. Acesse nossa página de Segurança Hídrica e saiba mais.

O Instituto Guaicuy tem como missão incentivar o diálogo entre saberes populares e conhecimentos científicos, trabalhando de forma interligada ao protagonismo popular na defesa das águas como bem comum.

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