5º Diálogo Setorial no Setor de Resíduos Sólidos para uma Economia Verde

18/12/2024

Dar destinação correta e produtiva aos resíduos sólidos é estruturante para a transição em direção à economia circular. No entanto, muitas das políticas públicas de enfrentamento ao desafio sofrem com processos de procrastinação. 

São muitos os setores da economia e das políticas públicas com impactos estruturantes para o desenvolvimento de sociedades. No entanto, algumas atividades, tal como o titã Atlas, da mitologia grega, têm o papel de dar suporte civilizatório, é o caso da coleta e destinação de resíduos.

Esse setor da economia e da gestão pública agrega benefícios à saúde, ao meio ambiente, à produtividade do trabalho e da educação infantil, ao turismo, entre outras muitas atividades sociais e econômicas. Há estimativas da OMS – Organização Mundial da Saúde que apontam os benefícios dos investimentos em saneamento e resíduos em uma proporção 1 por 4. Ou seja, cada unidade monetária investida nessa área resulta em cerca de quatro outras em economia nas áreas de saúde e produtividade da economia.

Por ser uma área estruturante para o desenvolvimento de uma economia verde e sustentável, o IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade e o IEA – Instituto de Estudos Avançados da USP abraçaram o tema na iniciativa de Diálogos Setoriais por uma Economia Verde e Sustentável.  No final de novembro/2024 foram reunidos especialistas para apoiar a troca de informações sobre gestão de resíduos sólidos e saneamento sob o prisma dos conceitos da Economia Circular, bioeconomia e produção de adubos e gases energéticos

Estiveram presentes:

  • Gabriel Medes Mariano – (Analista ambiental da área de Gestão de Resíduos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) 
  • Gina Rizpah Besen (Pesquisadora Colaboradora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo)
  • Maíra Pereira (Diretora da Ambipar Environment e Co-fundadora da Tecnologia Social de Logística Reversa)
  • Aline Sousa (Diretora da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do DF. Atua no Movimento Nacional de Catadores)
  • Mediação: Ricardo Young – presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

A apresentação do Diálogo focou por conta da economista e pesquisadora Carolina Marchiori, que apresentou os dados dos desafios a serem superados nas duas áreas estruturais, saneamento e resíduos. A legislação brasileira tem feito importantes avanços para a modernização da gestão das duas áreas, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, que tem como meta zerar os lixões a céu aberto em todo o país, e o Novo Marco Legal do Saneamento, de 2020, com metas de universalização de distribuição de água potável e da coleta e tratamento de esgotos.

Segundo a pesquisadora, os dados sobre os quais os debatedores se debruçaram são:

RELEVÂNCIA DO SETOR DE SANEAMENTO PARA O PAÍS
Água – 84,9% dos brasileiros possuem acesso ao abastecimento de água tratada (com importantes discrepâncias regionais – no Norte, essa proporção é de apenas 64,2% (SNIS, 2022).
– Esgoto – 56,0% dos brasileiros possuem acesso à coleta de esgoto (proporção que é ainda menor nas regiões Norte e Nordeste, onde somente 14,7% e 31,4%, respectivamente, possuem acesso ao serviço) (SNIS, 2022).
Resíduos –  90,4% dos brasileiros contaram com cobertura de coleta de resíduos sólidos, mas apenas 32,2% dos municípios contaram com programas de coleta seletiva (SNIS, 2022).
Emissões – 91 milhões de toneladas de CO2eq foram emitidas pelo setor em 2022 (4% das emissões totais do país, das quais a maior parte – 65% está associada à disposição de resíduos sólidos em aterros e lixões (SEEG, 2023).

Carolina Marchiori explicou que desde maio de 2024 o Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS vem trabalhando para ampliar os conhecimentos e práticas necessários para alavancar o processo de transição para uma economia verde no Brasi, em consonância com o Plano de Transformação Ecológica que o governo federal lançou em agosto de 2003. Já foram abordados os temas Finanças sustentáveis, Adensamento tecnológico, Bioeconomia e Sistemas Agroalimentares e Transição energética, cujos resultados podem ser acompanhados pelo site do IDS.

A apresentação do Diálogo ficou a cargo do presidente do IDS, Ricardo Young, que entre outras coisas, já ocupou o cargo de presidente do Instituto Ethos de Responsabilidade Social e foi vereador na cidade de São Paulo.

Impacto dos resíduos nas políticas climáticas

O Brasil tem inúmeras políticas públicas alinhadas com temas relacionados à gestão de resíduos sólidos, ao saneamento e ao alinhamento da economia a princípios de sustentabilidade. O presidente do IDS, Ricardo Young aponta como um dos principais problemas a procrastinação na aplicação das leis e regulamentos para a destinação de resíduos e os cuidados necessários com a água e o saneamento. “Estes diálogos que estamos realizando, o IDS e IEA, são oportunidades para que tenhamos contrapontos com o Plano de Transição Ecológica apresentado pelo governo”, explica. Para ele ouvir um conjunto diverso de vozes serve para que se produza documentos de apoio para a participação democrática da sociedade em temas estruturantes para a democracia e a sustentabilidade.

Outro ponto abordado por Young é a necessidade de apontar os principais gargalos pelos quais as políticas públicas em resíduos e saneamento caminham em compasso de espera, mesmo que esses setores tenham um importante impacto sobre as matas assumidas pelo País em relação à redução de emissões de gases estufa. Para corroborar essa informação, o representante da área de resíduos do MMA, Gabriel Medes Mariano, trouxe o dato de emissões do setor de resíduos, medida em 2022: foram 92 milhões de toneladas de CO² equivalentes, 4% das emissões brasileiras. O especialista aponta que o Brasil tem uma enorme disparidade em termos de destinação de resíduos, mesmo com a proibição de lixões com mais de uma década. 

Para ele a disparidade de desempenho entre regiões tem uma relação direta com a disponibilidade de recursos e capacitação técnica. “Grande parte dos problemas não têm pessoal capacitado em termos técnicos ou político para uma abordagem efetiva do problema”, explica.

Destinação adequada de resíduos por região

Uma outra questão levantada por Mariano é que os municípios com mais problemas para implantar sistemas de coleta seletiva e aterros sanitários são, em maioria, aqueles que não estabelecem nenhum tipo de cobrança pelos serviços públicos de limpeza urbana. Ele alerta que imposição de tarifas nessa área é muito impopular, por isso muitos prefeitos se recusam a aplicar. Ele também aponta que apenas 1630 municípios têm sistemas de coleta seletiva, enquanto 3430 não têm o sistema em operação. Mais uma vez os melhores números estão nas regiões Sul e Sudeste, enquanto os piores estão nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

No campo das emissões, o governo está preparando o lançamento do Planaro – Plano Nacional de Redução e Reciclagem de Resíduos Orgânicos Urbanos, que pretende prevenir o desperdício de alimentos, fomentar a compostagem e promover a reciclagem, entre outras metas, como fortalecer o papel dos governos locais na universalização das soluções.

Resíduos: o primo pobre das mudanças climáticas

A pesquisadora Gina Rizpah Besen, com vasto currículo acadêmico em estudos sobre saúde pública e resíduos sólidos e pós doutorado pelo Procam/USP, onde ainda é pesquisadora colaboradora, faz uma crítica ao abandono das políticas públicas em gestão de resíduos durante os quatro anos do governo anterior. Ela acredita que essa demora em buscar resultados coloca o país em uma situação difícil de atraso nas metas necessárias que cumprir os acordos internacionais de controle de emissões e combate às mudanças climáticas.

Rizpah, como é conhecida, diz que a gestão de resíduos é considerada “o primo pobre do saneamento”. Com isso a pesquisadora aponta que o sistema é subfinanciado e não conta com os recursos necessários para cumprir as metas previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela acredita que há muito espaço para melhorar o desempenho do setor com a ampliação das estratégias de economia circular. “Apenas 9% da economia mundial tem componentes de circularidade”, diz 

Outra crítica da pesquisadora é em relação aos inventários de emissões dos resíduos: “A conta é feita a partir do momento que o produto se torna resíduo, e não inclui seu ciclo de vida, o dado completo aponta que 62% dos gases estufa são oriundos dos resíduos”. Ela aponta que uma parte importante das emissões que deveriam ser contabilizadas como de resíduos são incluídas em outras áreas do ciclo econômico.

Outro ponto importante á a falta de prioridade em compostagem e criação de uma economia da regeneração onde os resíduos formam um círculo virtuoso capaz de oferecer compostos de biofertilizantes e a partir da compostagem, ou da geração de energia por biomassa. São sistemas que, do ponto de vista ambiental, fazem muito sentido, em contraposição a outra vertente do debate que é a implantação de grandes sistemas de incineração dos resíduos como destinação final.

O papel dos catadores na economia circular

Rizpah alerta que há vários planos para a implantação de sistemas de incineração. “Isso vai contra a Política Nacional de Resíduos Sólidos e significa a queima de matérias primas que poderiam tornar-se milhões de reais em economia circular e políticas de reciclagem de apoio aos catadores”, diz a pesquisadora. Segundo ela, os catadores não são remunerados pelo serviço público e ambiental que prestam pelas cidades em que atuam e, muitas vezes, têm seu papel incompreendido pelo ente público municipal. 

É preciso repensar e recuperar o papel das cooperativas de catadores, que mesmo quando reconhecidas pelo poder público, não recebem recursos suficientes para a remuneração digna de seus membros que fazem as coletas, nas ruas, de resíduos que deveriam ser responsabilidade das empresas que deram origem a eles. “É preciso estabelecer metas e recursos para a coleta seletiva com a inclusão dos catadores”, conclui.

Logística reversa, um ponto de vista empresarial

O tema da economia circular e o papel dos catadores ganhou mais fôlego no diálogo com a participação da Maira Pereira, especialista em Economia Circular e Inclusão Social., diretora da Ambipar Environment Pós-consumo. A executiva defende que avançar na circularidade é lançar o mundo em uma nova economia e que, para isso, é preciso unir todas as forças que compartilhem desse ideal. No entanto, sabe que desde 2010, com a PNRS, se avançou pouco e que é preciso ampliar o alcance do princípio da responsabilidade compartilhada.

Para ela, mais do que buscar novos regramentos ou tecnologias deve-se aplicar o que já está posto na legislação. Quatro milhões de toneladas de resíduos que poderiam entrar na circularidade, mas que são lançados em aterros, lixões ou mesmo abandonados em espaços naturais. Os números apresentados mostram que os principais responsáveis hoje pela coleta seletiva que efetivamente entra em uma modelagem de economia circular é realizada por catadores. Apenas 4% de todos os resíduos estão sendo encaminhados para a circularidade.

Maira apresenta uma estimativa de que mais de um milhão de pessoas atuam como catadores nas cidades brasileiras com uma renda média em torno de R$ 300 reais por mês. Esse cenário precisa ser transformado através da organização dos catadores em cooperativas que conseguem organizar a relação entre os catadores, os resíduos das cidades e a indústria. “É preciso organizar os fluxos desse material se quisermos realmente implantar sistemas de economia circular”, explica. Mas acrescenta que apenas 1,7% dos catadores trabalham com cooperativas, o que é muito pouco para uma real transformação do status dos catadores e a aceleração de um processo de economia circular.

Para a executiva da Ambipar é preciso ampliar e pulverizar o modelo de cooperativas como forma de dar dignidade aos catadores, com o aumento da rentabilidade e da formalização de direitos e construir uma relação de comércio justa entre as cooperativas e as indústrias que beneficiarão os resíduos em uma cadeia de valor circular.

Catadores, a logística reversa na prática

Desde a Coreia do Sul, onde aconteceu a reunião do Tratado Internacional de Plásticos, da ONU, Severino Lima Jr., presidente da Aliança internacional de Catadores conta como o movimento de catadores estão se organizando para ampliar suas organizações e a presença nos processos de logística reversa para dar escala à economia Circular. Para ele não será possível avançar sem que os catadores sejam colocados no planejamento de políticas públicas e empresas de forma a criar cadeias de valor onde não apenas os resíduos tenham preço, mas também o trabalho e os serviços ambientais prestados por esses profissionais.

“Há uma tendência de se pensar em organizações de catadores como informais e com pouca capacidade técnica e, principalmente, que precisam ser tuteladas para que consigam organizar o trabalho”, explica o catador que hoje é um especialista em ESG e economia circular. Ele aponta que em muitos desses processos o que acontece é que intermediários ficam com a maior parte dos recursos oriundos da logística reversa e os catadores com uma ninharia. Ele afirma que sim, a capacitação de organizações de catadores é importante, mas de forma a empoderar os próprios catadores para que consigam gerir o próprio negócio. “Já há cooperativas autogeridas que estão avançando para um passo além da simples coleta e separação dos resíduos, trabalhando para beneficiar os materiais e dar a eles valor agregado que significa mais renda aos associados”.

Com experiência internacional, Severino diz que os processos tentados em países como Japão e Estados Unidos não estão dando certo porque eles não incluem os catadores na equação. “As máquinas de reciclagem precisam que os materiais estejam dentro de um padrão, o que não acontece com resíduos pós consumo”, explica. A profissionalização e a criação de estruturas de logística reversa capazes de remunerar pelos serviços ambientais são fundamentais para dar escala em direção à economia circular. Isso, segundo Severino, não vai acontecer sem a participação dos catadores. “Isso não significa somente e que normalmente se chama de ‘incluir’ os catadores, mas sim fazer um planejamento de logística e de preparação das pessoas, da sociedade para a correta separação dos resíduos. Trabalhar parcerias entre associações de catadores e grandes geradores de resíduos e criar modelos de parcerias com prefeituras. Belo Horizonte já paga aos catadores por serviços ambientais e está dando muito certo, o Ceará está se preparando para aderir ao modelo. “O sistema de circularidade de resíduos gera muito dinheiro, portanto essa não é uma limitação para a integração produtiva das cooperativas autônomas, é preciso romper preconceitos”, diz o presidente da Aliança Internacional de Catadores.

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