21/07/2015
Por Daniela Ades*, revisão de Guilherme Checco
Em três anos, pouco mais da metade da área de propriedades e posses rurais foi cadastrada no sistema eletrônico do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um dos principais instrumentos de planejamento e monitoramento ambiental estabelecidos pelo Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Os números oficiais mais recentes, divulgados pelo Serviço Florestal Brasileiro, apontam que cerca de 57% da área passível de cadastro já está no CAR, em relação à área total cadastrável de 397,5 milhões de hectares. No período de maio a junho de 2015, logo após a prorrogação do prazo final para cadastramento para maio de 2016, houve aumento de 7% nos cadastros, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Inicialmente, o prazo final era 5 de maio de 2015.
O CAR é um registro eletrônico obrigatório que visa promover a regularização ambiental em imóveis rurais¹. O Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) integra as informações ambientais das propriedades, como Áreas de Preservação Permanente (APP), Reserva Legal (RL), remanescentes de vegetação nativa, uso consolidado etc. Caso haja passivos ambientais², os proprietários devem regularizar as propriedades com os Programas de Regularização Ambiental (PRAs), regulamentados pelos estados, de acordo com a nova legislação. Aqueles que não tiverem sua situação regularizada até maio de 2016, não poderão ter acesso a créditos agrícolas.
Para o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Gustavo Junqueira, houve expressivo atraso dos governos, seja no âmbito federal quanto no âmbito estadual, para lançar o CAR em si, para aprovar os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e a legislação suplementar. “Então, todo mundo ficou muito perdido com isso. Nos últimos seis meses, com os softwares e a dinâmica implantada relativamente bem no país, é que os proprietários começaram a se cadastrar”, explicou durante entrevista ao IDS.
O CAR foi inserido pela primeira vez na legislação federal em 2009, pelo decreto nº 7029, e o Sicar foi criado em 2012, pelo decreto nº.7830. Somente em 2014 é publicada a instrução normativa Nº2/MMA, que dispõe sobre os procedimentos de integração do sistema e sobre os procedimentos gerais do CAR³.
Ainda de acordo com os dados mais recentes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a região com maior área cadastrada é a Norte, 76,52%. Em seguida está a região Centro-Oeste (53,82%), a Sudeste (48,72%), a Nordeste (23%) e, por último, a região Sul (19,87%).
Apesar de ser considerado um importante instrumento para obter o “diagnóstico ambiental” das propriedades e, portanto, uma forma de conter e fiscalizar o desmatamento, estudos apontam que a relação não é necessariamente verdadeira. O estado do Mato Grosso, por exemplo, é o campeão de área cadastrada, como aponta recente estudo do Instituto Socioambiental na Região:
“A maior parte dos cadastros no Mato Grosso é de pequenas propriedades (até quatro módulos fiscais), com 48,4 mil imóveis. A meta da Secretaria de Meio Ambiente (Sema) é alcançar ainda este ano 56 milhões de hectares cadastrados. No Estado, o município com maior área cadastrada é Paranatinga, com 1,5 milhão de hectares cadastrados. Querência e Canarana, nas cabeceiras do Rio Xingu, já têm cadastrados 935 mil hectares (Querência) e 611 mil (Canarana), ocupando respectivamente a décima e a vigésima sexta colocações no ranking do estado.”
Mesmo com altos índices de cadastramento, o estudo do ISA argumenta que o estado também foi campeão de desmatamento nos últimos meses.
“O desmate da floresta amazônica cresceu 76% em março no estado em comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados são do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em toda Amazônia, o desmatamento cresceu 195% no mesmo período. Entre agosto de 2014 e março de 2015, foi desmatada uma área de 639 km² em Mato Grosso. Em toda a região amazônica o desmate foi de 1.761 km². Os municípios com maior desmatamento em todo o bioma, Itaúba e Feliz Natal, são mato-grossenses.”
O estudo do ISA analisou três municípios da região da Bacia do Rio Xingu, Brasil Novo (PA), Querência e Canarana (MT), e mostra que o número de produtores rurais que precisará se regularizar não caiu com o novo Código Florestal. Leia o estudo completo.
Para Gustavo Junqueira, o descompasso entre cadastramento e desmatamento no estado do Mato Grosso é explicado por interesses predatórios de diversos setores:
“Por que o Mato Grosso conseguiu fazer o maior volume de cadastramentos? Porque você tem grandes produtores, produtores eficientes, ligados no mercado e que precisam disso como ferramenta de venda do seu produto e de acesso a crédito. Então, entendem que aquilo faz parte do modelo de negócios, e saíram na frente e fizeram. (…) Por outro lado, tem uma parte do Mato Grosso muito próxima da Floresta Amazônica, e há outros interesses, que são interesses de madeireiros, de mineradores, muita questão de sem terra, de grilagem e isso é um problema. Hoje o maior volume de desmatamento no Brasil é de pequenas propriedades que estão sendo griladas. E isso você não vai pegar no CAR. Porque esse é um problema que tem que ser tratado em outro âmbito que não o de negócio. Então esse cara fazer o CAR, às vezes o desmatamento está acontecendo e nem é a propriedade do sujeito, é uma devastação de fato.”
Com apenas metade do caminho percorrido para a universalização do CAR no Brasil, o instrumento de planejamento ambiental também é encarado como importante ferramenta para planejamento econômico do uso e ocupação do imóvel rural. "Isso é muito mais que uma ferramenta para controlar só o desmatamento, para você ter uma visão sob a ótica apenas ambiental da propriedade. Isso é um instrumento para você fazer política agrícola, planejamento de desenvolvimento regional, para organizar infraestrutura e de fato conseguir pensar o Brasil no longo prazo", afirmou Junqueira. Leia entrevista completa com Gustavo Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira.
A publicação “CAR no Amazonas: oportunidades e desafios para a gestão territorial”, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), apresenta conclusões importantes para incentivar a ampliação da adesão ao CAR, apresentando suas vantagens, como: acesso à emissão das Cotas de Reserva Ambiental e aos benefícios previstos nos PRAs e nos Programas de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente (ambos definidos pela Lei 12.651/12); obtenção de crédito agrícola com taxas de juros menores, bem como limites e prazos maiores que os praticados no mercado; linhas de financiamento e isenção de impostos para os principais insumos e equipamentos, entre outros.
Mostrar os pontos positivos e as obrigações legais do CAR aos agricultores foi parte da estratégia do município de Atalanta, em Santa Catarina. O município de 3.296 habitantes, e essencialmente agrícola, já tem aproximadamente 85% do CAR realizado e se estima que, até novembro, 100% das propriedades estarão cadastradas.
Para conscientizar a população local sobre o novo instrumento da legislação florestal, a Prefeitura realizou audiências públicas para explicar as novas exigências do Código Florestal aos agricultores. Aconteceram três audiências públicas, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a Associação de preservação do meio ambiente e da vida (Apremavi), a Associação dos Municípios do Alto Vale do itajaí (Amavi) e o Banco do Brasil.
Além disso, a Prefeitura de Atalanta designou dois técnicos para auxiliar, de forma gratuita, a realização do cadastro pelos agricultores em horários pré-agendados.
Cerca de 70% a 80% dos agricultores do município participaram das audiências públicas, afirmou o prefeito da cidade, Tarcísio Polastri (PT), em entrevista ao IDS realizada em junho de 2015.
“Quando se tem um programa novo, o objetivo é mostrar o porquê daquilo. Por que as pessoas, muitas vezes, desconfiam quando vem uma nova lei para ser aplicada, todos ficam reticentes”, explicou o prefeito. “ Então, você tem que chamá-las e mostrar o objetivo, o porquê daquilo e qual o benefício que elas terão, ou restrições no caso de não aplicar determinada lei”.
Polastri acredita que o CAR é uma ferramenta importante, não apenas para conter o desmatamento, mas para recuperar áreas degradadas. Ele diz que, até então, esta não era uma preocupação dos municípios. “A importância do CAR seria ter monitorado essa questão das APPs, principalmente as rurais, porque até então ninguém se preocupava com recuperação de matas ciliares, com nascentes… e hoje, com esse cadastramento, é bom que além de você estar monitorando as áreas remanescentes, vegetação nativa, é a recuperação dessas áreas degradas que nós temos, os córregos, nascentes os rios… E tem que criar uma nova consciência para os nossos agricultores, nós queremos, não apenas no campo, que eles tenham um futuro melhor também.”
Iniciativas para cadastramento e regularização
A pouco menos de um ano do prazo, ainda faltam 43% da área passível de cadastro para ser regularizada. Para ampliar o acesso à informação e ao CAR, algumas iniciativas têm auxiliado os agricultores no cadastramento e na regularização ambiental das propriedades, por meio de plataformas próprias. Conheça algumas delas:
Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Grupo multissetorial que lançou um documento de 17 propostas para o poder público sobre proteção, conservação e uso sustentável das florestas, agricultura e mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O movimento destaca a implementação do Novo Código Florestal, regularização fundiária e cooperação internacional no Eixo Legal/Institucional. Saiba mais.
Portal de Regularização Ambiental
A iniciativa oferece assistência técnica para a análise da propriedade de acordo com a nova legislação e para preenchimento do formulário do SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) em uma plataforma online. Lançado em junho pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), em parceria com a Bolsa de Valores Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio). Saiba Mais.
Sistema Informatizado de Apoio à Restauração Ecológica (São Paulo)
Plataforma online para cadastro e monitoramento de projetos de restauração ecológica do estado de São Paulo. Saiba Mais.
*Daniela Ades é Analista de Comunicação do IDS
1. Definição consta na publicação “CAR no Amazonas: oportunidades e desafios para a gestão territorial”, do Idesam. Abril de 2015.
2. Obrigação relativa a danos ambiental; áreas desmatadas que devem ser recuperadas; não cumprimento dos limites estabelecidos para Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal pelo Novo Código Florestal.
3. Informações da publicação “CAR no Amazonas: oportunidades e desafios para a gestão territorial”, do Idesam. Abril de 2015.
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