15/08/2018
(Publicado no portal do Estado de S.Paulo em 03 de agosto de 2018)
Por Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO – Um grupo de 170 entidades do agronegócio, ONGs ambientais e do clima se uniu para lançar um documento com 28 propostas para os principais candidatos à Presidência nas eleições 2018. Entre as sugestões estão incentivos para aumentar a produção de alimentos no País de maneira sustentável, modernizar as práticas agropecuárias e fortalecer a preservação ambiental, com destaque para a recuperação de áreas degradadas. O documento, lançado nesta sexta-feira, 3, pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, obtido com exclusividade pelo Estado, deve ser apresentado aos presidenciáveis entre agosto e setembro.
O debate ocorre em um momento em que o Brasil responde por 7% da exportação mundial de alimentos, conta com a maior biodiversidade do planeta e tem no agronegócio quase um quarto de seu PIB. Além disso, projeções da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que o mundo terá 9 bilhões de pessoas até 2050 e o Brasil será um dos principais responsáveis pelo aumento da produção de comida.
"O Brasil tem grande espaço para aumentar a produtividade com ciência, tecnologia e contribuir com a mitigação das mudanças climáticas no planeta sem deixar de ter destaque na produção de alimentos. É preciso incorporar essas propostas na plataforma política", afirma o climatologista Carlos Nobre, presidente do conselho diretor do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e um dos membros da Coalizão.
Na Amazônia Legal, 9 milhões de hectares foram desmatados entre 2006 e 2017. Objetivo da Coalizão acabar com a prática e aumentar a sustentabilidade da produção de alimentos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Entre as 28 propostas, há algumas com impacto na matriz energética brasileira e na atração de investimentos nacionais e internacionais, sugestões para melhorar o financiamento à produção sustentável e incentivos para explorar os recursos genéticos e bioquímicos das florestas nativas. Nobre destaca que o Brasil precisa explorar, com tecnologias modernas e já disponíveis, o potencial da biodiversidade da Amazônia, que responde por 40% da área nacional.
Um dos representantes da Coalizão, o engenheiro agrônomo André Guimarães afirma que está cada vez mais clara a interdependência entre as mudanças climáticas e a produção agropecuária e que, por isso, o grupo decidiu reunir setores que, por vezes, têm divergências. Nesse contexto, a floresta tem papel fundamental no enfrentamento das alterações do clima porque armazenam e capturam carbono da atmosfera. "A floresta cuida as águas, que por sua vez irrigam a agricultura. O produtor e os empresários mais modernos já perceberam isso. Então, decidimos sentar à mesa e encontrar um consenso", afirma.
Uma das propostas da Coalizão é recuperar a cobertura florestal em áreas de recarga dos aquíferos das bacias hidrográficas consideradas estratégicas, o que beneficiaria campo e cidade. Outro ponto destacado pelo grupo é a necessidade de incentivar o desenvolvimento da agricultura de baixo carbono e a recuperação florestal em áreas degradadas e de baixa aptidão agrícola – o Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 no Acordo de Paris, firmado por 195 países em 2015.
No acordo, o País também decidiu que vai usar 45% de energias renováveis na composição de sua matriz energética. A meta dos signatários é tentar conter o aquecimento global a menos de 2°C até 2100. Guimarães destaca que o País vive hoje um cenário de incerteza eleitoral e é preciso que a sociedade participe ativamente das decisões do rumo do Brasil. "O País tem inúmeros potenciais do uso da terra e dos recursos naturais. Por isso, decidimos apresentar propostas concretas e sermos proativos", diz.
Para Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e membro da Coalizão, é preciso alcançar o que foi assinado em Paris. Ele também defende também a regularização do mercado de prestação de serviços ambientais para dar mais segurança aos agricultores. "A ideia é permitir que produtores em áreas degradadas possam restaurá-las e serem financiados por isso, obtendo renda". Segundo ele, há agências internacionais dispostas a financiar esses serviços. "Mas faltam mecanismos para viabilizar e implantar esse programa", reclama.
Vieira defende ainda a regularização da questão fundiária. "Precisamos de uma lei menos complexa, mais objetiva e órgãos do governo comprometidos com sua implementação. Isso nunca foi prioridade das agências responsáveis", diz, citando que na Amazônia a questão é ainda mais importante, já que a região é alvo do desmatamento e da exploração ilegal de madeira – dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que 9,6 milhões de hectares foram desmatados na Amazônia Legal entre 2006 e 2017.
Além disso, hoje apenas a Amazônia e a Mata Atlântica são monitoradas. A Coalizão propõe estender o monitoramento ao Cerrado, à Caatinga, ao Pantanal e aos Pampas para permitir o planejamento e a implementação de medidas necessárias à conservação da biodiversidade em todo o território nacional.
Levando em conta que parte importante da madeira consumida no Brasil é ilegal, a Coalizão sugere ainda que o governo barre a compra de madeira irregular em suas licitações. Além disso, propõe planos plurianuais de investimento e ação no setor e pede mais assistência técnica para o campo, já que, apesar de haver tecnologias de ponta, nem sempre elas chegam a todos os produtores.
Na avaliação de Rachel Biderman, diretora da ONG World Resources Institute (WRI) no Brasil, as propostas oferecem uma alternativa mais competitiva e moderna para o agronegócio brasileiro, que vem sendo impactado com a falta de chuvas, quebras de safras e recordes de temperaturas em regiões produtivas. "É preciso adaptar o setor produtivo para essa nova realidade. É uma proposta concisa, bem pensada, resultado de quase três anos de trabalho", diz.
Para ela, é fundamental que o crédito agrícola seja direcionado para a agricultura que privilegie a baixa emissão de carbono. "Isso é uma decisão simples e se faz com uma canetada em Brasília após uma reunião do presidente com os ministros", comenta.
Segundo ela, o mundo espera do Brasil soluções importantes porque o País será responsável por alimentar parte considerável da população mundial. "Se não fizermos as alterações de rumo propostas ali, não seremos a economia forte que em 2050 terá desafios globais de alimentar o planeta". O climatologista Carlos Nobre é enfático ao dizer: o Brasil é o País que mais pode contribuir com o uso da terra para reduzir o risco dos desafios climáticos. "É perfeitamente factível produzir de maneira sustentável aumentando a produtividade".
Diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio, uma das principais entidades representativas do setor no País, Luiz Cornachioni diz que a agropecuária brasileira precisa acrescentar cada vez mais a sustentabilidade na produção. "Sem sustentabilidade, não vamos fazer um bom agronegócio. Isso fará toda a diferença", afirma ele.
Cornachioni defende a maior adoção da agricultura de baixo carbono com técnicas como a integração lavoura-pecuária-floresta, que concilia a produção de grãos, carne e madeira em uma mesma área em diferentes épocas do ano. Segundo a Rede ILPF, composta pela Embrapa e por órgãos do governo, há 13,7 milhões de hectares com a técnica no País. "São mecanismos modernos de produção. Mas para adotá-los não precisamos só de recursos. Falta assistência técnica e extensão rural para transferir essas tecnologias e elas chegarem a mais produtores", diz.
Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reúne 170 representantes dos setores agrícola e ambiental Foto: Fernanda Macedo/Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Ele também afirma ser fundamental respeitar o Código Florestal. Para isso, a Coalizão propõe que financiamentos bancários estejam ligados à implantação do Código e à não existência de desmatamento ilegal, que vem sendo prejudicada pela adiação do prazo de implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O grupo sugere também o direcionamento de recursos financeiros e humanos para garantir a validação do CAR. "Temos metas a cumprir e este documento vai ajudar o País, principalmente num momento político como esse, por trazer contribuições importantes e colocar em evidência uma discussão fundamental", diz Cornachioni.
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