Precisamos de um novo ciclo de planos de bacias em São Paulo?

25/03/2015

Por Marina Costa Barbosa*, em colaboração com o IDS

As demandas requeridas por aglomerações humanas muitas vezes não acompanham a disponibilidade dos recursos existentes na natureza. Em cenários de escassez, o adequado gerenciamento se torna fundamental. Em especial, quando se trata dos recursos hídricos, uma vez que a água é um recurso que interfere diretamente em diversos segmentos da sociedade, sendo essencial, inclusive, para a sobrevivência humana.

A política de recursos hídricos no Estado de São Paulo, vigente desde 1991, visa garantir que a água possa ser utilizada por seus usuários atuais e pelas futuras gerações. Tendo a descentralização, a participação e a integração como princípios fundamentais, a sua implementação deve ocorrer por meio da utilização de instrumentos de gestão.

Os planos de bacia podem ser considerados instrumentos de gestão estratégicos dentro do sistema de gerenciamento de recursos hídricos atual, pois além de apresentarem diretrizes gerais para a recuperação, a proteção e a conservação dos recursos hídricos e orientarem a gestão, apresentam diretrizes para os demais instrumentos, tais como: outorga, enquadramento, cobrança e sistema de informações.

Histórico

Rio Tietê, em Barra Bonita, São Paulo. Foto de Luciano Silva. CC BY NC

No Estado de São Paulo, os primeiros planos de bacia e relatórios zero foram desenvolvidos com diferentes metodologias e em diferentes momentos a partir de 1999, existindo, ao final de 2004, 14 planos finalizados. Entre 2008 e 2009, considerando as orientações da Deliberação CRH 62 de 2006, 21 novos planos foram elaborados e aprovados, completando o que pode se chamar de segundo ciclo de planos. 

A Deliberação CRH 146 de 2012 apresenta os critérios, prazos e procedimentos para a aprovação de novos planos de bacia no Estado, tendo sido complementada pela Deliberação CRH 159 de 2014, que prorroga a validade dos planos de bacia vigentes e adia o prazo de adequação dos novos planos de bacia para o final de 2015.

Nesse cenário, verifica-se que os planos de bacia vêm sendo elaborados e aprovados de acordo com a periodicidade estabelecida na política, ou seja, com um novo ciclo de planos em média a cada quatro anos.

Planos de Bacias na prática

Para melhor entendimento de como a implementação dos planos acontece na prática, esses aspectos foram abordados pela pesquisadora Marina Barbosa em entrevistas realizadas no final de 2013 com especialistas na área de recursos hídricos e representantes dos três setores de diferentes comitês de bacia do Estado de São Paulo.

Em geral, os participantes apontaram que os instrumentos de gestão são importantes elementos da política estadual de recursos hídricosNo entanto, a maior parte dos comentários, principalmente em relação aos planos de bacia, refere-se às dificuldades de sua implementação na prática. Dificuldades de ordem técnica, financeira e político-institucional foram levantadas. 

Dentre as dificuldades de ordem técnica, os participantes criticaram a forma com os planos de bacia são desenvolvidos, normalmente por empresas de consultoria, e com limitada interface com o comitê e com os reais problemas da bacia. Segundo alguns respondentes da pesquisa, os planos são elaborados meramente para atender a legislação e para garantir o recebimento dos recursos financeiros do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), sem a adequada articulação com outros setores. Além disso, foi criticada a metodologia adotada para a definição de metas e objetivos, onde um participante comentou que “são tão amplos, que você não consegue mensurar de fato como você está fazendo a gestão do recurso”.

Nas questões sobre dificuldades de implementação de ordem financeira, um dos aspectos mais mencionados refere-se à necessidade de vinculação do que é deliberado nos comitês e incorporado nos planos de bacia com as políticas de governo, como o plano plurianual. Foi comentado durante as entrevistas que “os recursos financeiros nos planos de bacia ficam soltos, não há garantia orçamentária para que as ações sejam implementadas”, principalmente porque “o sistema não administra o recurso, ele diz o que deve ser feito com o dinheiro do outro, então ele não tem poder”. Outro participante da pesquisa reforçou essa problemática ao afirmar que “atualmente esse tipo de investimento no plano de bacia é 'meio' que uma peça de ficção”.

Por fim, com relação às dificuldades de ordem político-institucional, os participantes mencionaram primeiramente a não implementação das ações propostas no plano, por conta da sua própria natureza: “o plano não é obrigatório, são só diretrizes”. Além disso, foram levantadas questões como:  a pouca importância dada para este instrumento pelos gestores públicos e a falta de integração do plano de bacia com planos elaborados em outras escalas e por demais setores governamentais. Nesse sentido, foi exemplificado que “o que é decidido no comitê nem sempre é bem recebido nas instâncias superiores e, muitas vezes, é até modificado, quando não atende aos interesses do governo”, ou então, que os planos de bacia são “planos de gaveta”’, e que em geral  “os planos diretores dos municípios não observam e nem consideram estes planos”.

No modelo atual, os comitês de bacia são responsáveis pelas articulações com as instituições envolvidas na gestão de recursos hídricos. No entanto, enquanto essas instituições não tiverem obrigatoriedades legais para cumprir os acordos firmados e apresentados no plano, a efetiva  implementação dificilmente irá acontecer. Sem essa obrigatoriedade, o processo continuará dependendo apenas de colaboração e cooperação entre instituições. Desta forma, em situações de conflito, cada instituição continuará decidindo da forma que melhor lhe convém, visando benefícios setoriais e não o que é melhor para a bacia.

Nesse contexto uma importante pergunta precisa ser levantada: De que adianta continuar elaborando planos de bacia se entraves técnicos, financeiros e político-institucionais ainda não foram superados e nem ao menos discutidos?

Não se questiona aqui a importância dos planos de bacia como instrumento de gestão, que na teoria são peças chave do sistema de gerenciamento de recursos hídricos. Os planos já propiciaram avanços importantes, principalmente em relação à ampliação do conhecimento e diagnóstico dos recursos hídricos nas unidades de gerenciamento e no Estado, tornando os dados disponíveis e informando membros do sistema e da sociedade como um todo.

No entanto, o que se questiona são os benefícios na prática desse instrumento. O Estado de São Paulo ainda possui um modelo de gestão centralizado que se sobrepõe ao modelo descentralizado, participativo e integrado proposto na política de recursos hídricos. Precisa-se urgentemente avançar na discussão e na evolução do arcabouço legal e institucional do Estado, para que a articulação institucional aconteça em instâncias superiores de governo e não dependa de negociações pontuais dos comitês.

A atual crise hídrica que a região sudeste do país e o Estado de São Paulo enfrentam reforça a necessidade de se repensar o atual modelo de gestão. Embora o modelo proposto na política esteja em funcionamento, por exemplo, com os comitês de bacia instalados e atuantes e os planos de bacia sendo elaborados com a periodicidade estabelecida, na prática os comitês e as suas deliberação e planos ainda não são utilizados como instrumentos norteadores da gestão, para apoiar  de fato a tomada de decisão dos gestores público.

 

*Marina Costa Barbosa é engenheira civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestre em Gestão Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Possui dez anos de experiência profissional e acadêmica na área de gestão ambiental, com ênfase em planejamento e gestão de recursos hídricos, tendo trabalhado com consultoria no setor público e privado. Atualmente, é aluna de doutorado no Australian Centre for Sustainable Business and Development daUniveristy of Southern Queensland (USQ), Austrália, e sua pesquisa investiga dificuldades na implementação das políticas de recursos hídricos. Marina tem se interessado cada vez mais por pesquisas multidisciplinares, acreditando que uma visão holística é necessária para a gestão das águas. Marina vai colaborar com o IDS  na discussão sobre gestão de recursos hídricos em artigos periódicos.

 

 

Conteúdo relacionado

Parceiros