Políticas públicas, desmatamento e ordenamento territorial na Amazônia

03/06/2015

Por Guilherme Checco[1] e Juliana Cibim[2]

Em sua aula inaugural, o curso "Diálogos sobre a Amazônia na Contemporaneidade" contou com a presença de João Paulo Capobianco, Prof. Luiz Carlos Beduschi, Marina Silva e Profa. Neli Aparecida de Mello-Théry. Eles expuseram um panorama sobre o histórico do desmatamento na região, as dificuldades e críticas das políticas atuais, propostas de combate a esse processo e desafios a serem enfrentados. Cada um dos quatro participantes contribuiu com sua expertise sobre o assunto, seja esta mais voltada à pesquisa acadêmica ou pela vida política.

Durante o encontro, foi enfatizada a possível e necessária integração entre desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção do meio ambiente, especificamente na região amazônica. No entanto, a mensagem é clara de que esta possibilidade só se tornará realidade a partir de uma vontade política engajada na defesa dos princípios da sustentabilidade, envolvendo poder público, sociedade civil e setor privado. Nesse sentido, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981) é muita clara e específica na defesa do triple bottom line, conceito que direciona para um verdadeiro equilíbrio entre essas três variáveis. No artigo 4º, inciso I encontra-se um dos objetivos da Política Nacional como sendo a “compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. Nesse contexto, torna-se necessário a busca por uma “nova sociologia econômica” na qual a opinião pública, o poder público e os agentes privados vislumbrem claramente como gerar ganhos econômicos respeitando os limites do meio ambiente e distribuindo as riquezas de forma menos desigual.

No que tange os esforços socioeconômicos da agenda da sustentabilidade, é necessário haver uma conscientização generalizada, assim como coloca Marcovitch (2011).

(…) o setor produtivo é tão vulnerável às bruscas variações de clima quanto os

indivíduos, aglomerações urbanas, biomas, oceanos e florestas. A ação econômica,

 ensina Touraine, já não pode ser mais animada pela confiança do progresso

 infinito, e sim pela noção clara dos limites e dos riscos (p. 26).

 

Mais do que uma mudança de mentalidade e a ampliação da educação cidadã, são importantes os incentivos gerados à favor das mudanças. No caso da busca econômica pelo lucro, é importante relacionar os avanços tecnológicos que possibilitam uma adequação socioambiental aliada a vantagens competitivas frente à concorrência. Novamente, todos atores envolvidos são centrais para a mudança desse paradigma. No caso específico do poder público, este exerce importante função na indução de investimentos e financiamentos em projetos que respeitem as limitações ambientais e promovam a justiça social.

A relação entre progresso social e desenvolvimento econômico representa uma importante variável nessa equação proposta pela via da sustentabilidade. Alguns acabam por defender que as preocupações ambientais limitam os ganhos econômicos e o desenvolvimento social. Não obstante, o que se verifica é exatamente o contrário. Apesar de num período de curtíssimo prazo as ações degradantes gerarem um aumento de renda e lucratividade, este processo se encerra rapidamente, e por isso é insustentável.

Fica bastante claro que a floresta em pé ou o manejo adequado

 constituem os únicos cenários capazes de gerar um desenvolvimento

sustentável. A melhoria de curta duração raramente deixa benefícios

irreversíveis, como a instalação de redes de esgoto.

(MARCOVITCH, 2011, p. 32)

 

A prosperidade social representa um elemento muito importante e por vezes desconsiderado pelos dois lados (da defesa ambiental e do desenvolvimento inescrupuloso). Principalmente quando tratamos da Amazônia, o drama social é uma realidade, a qual necessariamente deve ser incluída na gestão dessa região. Novamente verifica-se a importante atuação do poder público. O Plano Amazônia Sustentável (PAS), lançado em 2008, representa importante institucionalização dessa preocupação, uma vez que endereça a questão dos investimentos em ocupação do solo urbano, saneamento básico, gerenciamento do lixo e geração de renda. “O governo atual pretende ser um marco no rumo do desenvolvimento regional. Elaborou um novo Plano Amazônia Sustentável (PAS), com o qual pretende superar a polaridade conflitiva entre a política ambiental e a de desenvolvimento.” (BECKER, 2005, p. 83).

Outra importante ideia exposta durante a aula inaugural está relacionada à compreensão de que o combate ao desmatamento resulta principalmente de um conjunto de políticas públicas adequado. E para que essas políticas sejam genuinamente efetivas, é necessária a clareza de que o meio ambiente é um tema transversal, e deve ser gerido por parte de todos ministérios (BECKER, 2005). O Estado tem papel central no combate à degradação e no incentivo a práticas inovadoras e sustentáveis. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal – PPCDAm (lançado em 2004) indica um bom exemplo de quais impactos uma política bem direcionada pode gerar. Esta política pública, a qual envolveu 13 ministérios, representa um conjunto de ações integradas em três eixos: ordenamento territorial e fundiário, monitoramento e controle ambiental e fomento a atividades produtivas sustentáveis. Logo no início do PPCDAm a estratégia inicial foi a demarcação de unidades de conservação[3] como instrumento para se organizar e se antecipar, principalmente nas frentes de expansão predatória.

A partir do Gráfico 1 (abaixo) nota-se que desde 2004, quando lançado o PPCDAm, os níveis de desmatamento vem sofrendo uma queda quase que constante, tendo como pontos de inflexão nessa tendência os anos de 2007-2008 e 2012-2013. Atualmente, o PPCDAm encontra-se em sua terceira fase (2012-2015)[4]. Não obstante, como colocado pelos expositores na aula inaugural, caso a agenda da sustentabilidade não se mantenha como prioridade no planejamento estratégico do Estado, o Plano por si só não consegue se sustentar e gerar resultados significativos.

Há igualmente outros exemplos de boas políticas públicas que geraram impactos positivos na preservação da Amazônia, tais como a pressão para o travamento do crédito a agentes de desmatamento (via Conselho Monetário Nacional) e a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284 de 2 de março de 2006). Esta última estabelece alguns condicionantes para as concessões de terras, respeitando alguns critérios de proteção ambiental e gestão sustentável: “constituem princípios da gestão de florestas públicas o estabelecimento de atividades que promovam o uso eficiente e racional das florestas e que contribuam para o cumprimento das metas de desenvolvimento sustentável local, regional e de todo o País” (Art. 2º, Inciso II). Estes representam alguns exemplos de como políticas públicas adequadas são cruciais para a defesa da agenda da sustentabilidade.

Gráfico 1: Desflorestamento antes e após o PPCDAm

Fonte: Ministério do Meio Ambiente

Ao analisar o relacionamento entre Estado e setor privado, encontra-se a imprescindível aproximação desses atores. Para além desse processo, fica claro que ambos os atores têm importante função de indutores dessa mudança. Do ponto de vista do Estado, o PAS expõe “(…) a adequação do crédito às orientações do zoneamento ecológico-econômico e ao fortalecimento de cadeias produtivas pela vida certificação ambiental ou instrumentos fiscais.” (MARCOVITCH, 2011, p. 41). Outra positiva orientação do Estado brasileiro apresenta-se por meio do Fundo de Preservação da Amazônia, o qual tem como meta angariar cerca de US$ 21 bilhões até 2020. Conforme defendido por alguns críticos a melhor destinação desses recursos não seria para ações repressivas ou fiscalizatórias, mas sim o investimento em ciência e tecnologia, com o intuito de viabilizar uma economia sustentável.

Apesar das dificuldades em se avançar, é possível melhorar a situação com respostas técnicas já existentes. O retrocesso no combate ao desmatamento, ou a não evolução na escala e rapidez desejada, são resultados da falta de vontade política baseada num compromisso ético. Os níveis de desmatamento em 2013 expostos no gráfico são o resultado de uma decisão política em afastar a agenda ambiental das prioridades.

Dessa maneira, é importante que o Estado retorne a ser um ator central para que os avanços ocorram, que altere não somente seu próprio modus operandicomo também influencie positivamente a opinião pública, a sociedade civil organizada e o setor privado. Independente dos períodos, de certos avanços ou retrocessos na agenda, a política ambiental sempre foi moeda de troca nas negociações e nunca alcançou um patamar de política de Estado prioritária. Na atual gestão notam-se alguns retrocessos importantes, tais como o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012)[5], a perda de relevância do Ministério do Meio Ambiente em diferentes agendas (à exemplo da agenda climática) e a Medida Provisória da Grilagem (MP 422/08).

O processo de negociação política deve envolver todas as agendas (ambiental, social, econômica, cultura, educacional), e sua construção se dá a partir do convencimento de diferentes atores e da construção de consensos entre esses agentes. Especialmente no que se refere à compreensão do conceito de desenvolvimento sustentável nota-se que ainda não há uma clareza compartilhada entre Estado, sociedade e setor privado. Assim sendo, coloca-se como um importante avanço o debate e a construção de um consenso a respeito do tema. É necessário haver uma quebra do padrão de desenvolvimento existente. A atual lógica de desenvolvimento é insustentável uma vez que “a economia de fronteira, significando com isso que o crescimento econômico é visto como linear e infinito, e baseado na contínua incorporação de terra e de recursos naturais, que são também percebidos como infinitos” (BECKER, 2005, p. 72). O próprioartigo 225 da Constituição Federal já expõe a preocupação com o equilíbrio ecológico, entendendo-o como central para a manutenção da qualidade de vida tanto das gerações atuais quanto das futuras. Diretamente relacionada a essa ideia encontra-se a construção do próprio conceito de desenvolvimento sustentável encontrado no documento Nosso Futuro Comum, da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.

Humanity has the ability to make development sustainable

 to ensure that it meets the needs of the present without

compromising the ability of the future generations

to meet their own needs. (Brundtland Report, 1987, p.24)

Um novo padrão de desenvolvimento, que carrega consigo a sustentabilidade como principal diretriz, entende o meio ambiente como um importante aliado ao processo. O meio ambiente não pode ser percebido como um entrave ao desenvolvimento socioeconômico e, portanto, é imprescindível que haja a quebra desse paradigma. Conforme Becker (2005) coloca, houve uma reavaliação e revalorização da natureza a partir de duas óticas distintas, mas convergentes: (i) civilizatória ou cultural, a partir de uma preocupação genuína com a vida humana; (ii) lógica da acumulação, ao interpretar a natureza como recurso escasso e reserva de valor, como o que acontece com a criação de mercados da água, ar e biodiversidade. O surgimento de novas tecnologias possibilita a criação de vantagens comparativas favoráveis à proteção ambiental.  Uma “nova revolução” para o bioma amazônico, em que se considere gerar capital à partir da natureza de maneira sustentável se coloca como necessidade central para alcançar avanços na sustentabilidade. Portanto, o desafio do desenvolvimento sustentável continua sendo aliar a compreensão de que a proteção ambiental é necessária à manutenção da vida humana ao mesmo tempo em que se pode gerar ganhos socioeconômicos.

Contexto

Este artigo tem como objetivo apresentar parte das ideias expostas durante a aula inaugural do projeto “Diálogos sobre a Amazônia na contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas”, desenvolvê-las e articulá-las com outras fontes de informações sobre o tema.

O projeto em questão ocorre no âmbito do acordo de cooperação técnico-científica firmado entre o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, em novembro de 2014. Nesse contexto, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) integra a parceria por meio do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e Sociedade.

Aula inaugural do curso "Diálogos sobre a Amazônia na Contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas"

Tema: Políticas Públicas, Desmatamento e Ordenamento Territorial: O Que Esperar Dessa Amazônia

Expositores:

João Paulo Capobianco -  ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e presidente do Conselho Diretor do IDS.

Luiz Carlos Beduschi Filho - Professor doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da Universidade de São Paulo (USP).

Marina Silva –  ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008). Associada do IDS.

Neli Aparecida de Mello-Théry -  vice-diretora da EACH-USP, professora do Procam/IEE/USP e coordenadora do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e Sociedade do IEA.

Assista ao vídeo na íntegra:

 

Referências

BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados 19 (53). São Paulo, Edusp, 2005.

MARCOVITCH, Jaques. A gestão da Amazônia: ações empresarias, políticas públicas, estudos e propostas. São Paulo, Edusp, 2011.

Aula inaugural “Diálogos Sobre a Amazônia na Contemporaneidade: Ateliê de Ideias e Propostas”. Disponível em:http://www.iea.usp.br/midiateca/video/videos-2015/dialogos-sobre-a-amazonia-na-contemporaneidade-atelie-de-ideias-e-propostas-1deg-encontro

Documentário “Amazônia S/A (Sociedade Anônima)”. Pindorama Filmes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=b9Tko_q_QGM

 


[1] Analista Junior de Conteúdo do IDS

[2] Coordenadora de Conteúdo do IDS

[3] "espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção da lei" (art. 1º, I - Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000)

[4] O PPCDAm teve sua primeira fase de 2004 a 2008, a segunda entre 2009 a 2011 e terceira de 2012 a 2015

[5] Sobre o Novo Código Florestal, ver: https://aleidaaguafilme.wordpress.com/

 

 

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