03/04/2025
A importância de se pensar o setor de transportes e mobilidade no Brasil
A Taxonomia Sustentável Brasileira recebeu contribuições da academia, especialistas e sociedade civil organizada. É inspirada em diversas experiências internacionais, destacadamente aquela da União Europeia, e sua construção estabelecerá critérios para classificar atividades econômicas sustentáveis. Desta forma, busca-se promover transparência e atrair investimento para setores prioritários na agenda climática.
Neste contexto, o setor de transportes é um dos mais estratégicos. Segundo o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), o Brasil emitiu cerca de 2,3 bilhões de toneladas de GEE em 2022. Destas, o setor de transportes foi responsável por 216 milhões de toneladas de CO₂, ou 9,35% do total. Embora seja apenas o terceiro setor em emissões do país, atrás de agricultura e mudança do uso do solo, em termos comparativos, essa quantidade de emissões é equivalente àquelas de países inteiros como Portugal, o que não pode ser menosprezado.
Um país continental como o Brasil, com uma das menores malhas de transporte ferroviário do mundo, tem muito a ganhar em termos econômicos e na mitigação de emissões dos gases do efeito estufa com a expansão do transporte sobre trilhos. Um estudo da Fundação Dom Cabral mostra que o transporte ferroviário representa 27% do volume de cargas transportadas no país, emitindo, contudo, menos de 2% dos gases deste setor.
Somente 12 das 27 capitais brasileiras possuem metrôs ou trens urbanos, e nenhuma destas possui este modal instalado em sua plena extensão e capacidade, como sabem todos os usuários do transporte público no país. A ausência de infraestrutura metro-ferroviária impacta diretamente as cidades em termos de eficiência econômica, qualidade de vida, e também saúde pública, haja vista a poluição do ar nas metrópoles ter sua causa majoritariamente oriunda do transporte rodoviário.
Segundo dados do WRI, apenas no estado de São Paulo, a redução dos níveis de material particulado fino poderia evitar 5.012 mortes prematuras e gerar uma economia anual de US$ 15,1 bilhões. Segundo pesquisas da Faculdade de Medicina da USP, os paulistanos perdem em média um ano e meio de suas vidas por causa da poluição, o equivalente a serem fumantes de quatro cigarros por dia. Parte da redução da poluição do ar em São Paulo inegavelmente precisa vir do combate às queimadas florestais em todo o Brasil, mas grande parte é oriunda da poluição veicular rodoviária onipresente naquela cidade, como em todo o país.
Indo ao cerne do problema – a preponderância do transporte rodoviário no Brasil, incentivos para a eletrificação da frota particular, os quais podem e devem ser combinados com mecanismos tributários, como o fim da isenção de IPVA para veículos com mais de 10 ou 15 anos, até a expansão de pontos para recarga elétrica e a obrigatoriedade do transporte público eletrificado podem mudar grandemente o perfil da poluição do ar nas cidades brasileiras, como foi o caso em diversas cidades asiáticas.
Nas cidades brasileiras é igualmente inadiável a integração de infraestruturas de mobilidade ativa que conectem os diferentes modais de transporte público com calçadas acessíveis, arborizadas, ciclovias, bicicletários públicos e pistas em bloquetes permeáveis ou pintadas de cores claras. Tais investimentos trazem impactos imediatos, desde a dinamização dos comércios locais à melhoria dos índices de segurança pública onde são instaladas, afora os benefícios climáticos diretos de combater o calor, purificar o ar das cidades, permitir a infiltração das águas e promover saúde coletiva e bem estar.
Entre 2022 e 2023, foram abertos 169 km de novas ciclovias no Brasil, o que deve ser celebrado. Contudo, se dividirmos esse número pelo total de municípios, temos um aumento proporcional de míseros 3m de ciclovias para cada cidade brasileira, pouco mais que o tamanho de uma bicicleta parada, o que demonstra o tamanho do desafio nesse setor.
Por último, mas não menos importante, o transporte rodoviário também é o mais diretamente responsável por outro grave problema urbano, muitas vezes negligenciado: a poluição sonora. Segundo a Universidade de Ghent, apenas na Europa, com cidades muito menos ruidosas que as do Brasil, 12 mil mortes prematuras ocorrem todos os anos em razão da poluição sonora. Além da mobilidade ativa e da expansão dos modais ferroviários, outras soluções tecnológicas brasileiras, testadas há décadas e que funcionam em diversos países, como o aeromóvel que opera em Porto Alegre e está prestes a ser inaugurado em Guarulhos, podem responder a estes e a outros desafios ambientais, enquanto estimulam a indústria nacional e a economia circular.
Em suma, não há nada de tão inovador a ser pensado, basta lembrarmos o óbvio: cidades eficientes, saudáveis, felizes e adaptadas às mudanças climáticas são possíveis e devem ser feitas e pensadas para as pessoas, que são parte do meio ambiente em que vivem.
Marcos Woortmann, cientista político e diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade
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