Soluções previstas na revisão tarifária da Sabesp podem ser referência para outras regiões do país

28/04/2021

Especialistas avaliam que as indicações sugeridas pelo órgão regulador do estado de São Paulo viabilizam soluções de longo prazo para a crise hídrica na região metropolitana da capital, e que poderiam ser adotadas em outros estados. Entre elas, a criação de um programa de recuperação de mananciais, financiado com parte do valor da tarifa de saneamento.

A revisão tarifária da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), anunciada em 9 de abril, pode viabilizar soluções de longo prazo para que haja mais segurança hídrica na região metropolitana da capital. Entre elas, a criação de um programa de proteção de áreas de manancial, financiado com parte da tarifa, conforme modelo que já é aplicado em outros estados.

Essa foi a principal conclusão da 2ª Roda de Conversa com Jornalistas, realizada nesta terça-feira (27) pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), mediada pela presidente da organização Planetapontocom, Silvana Gontijo. De acordo com especialistas que participaram do encontro, as regras anunciadas pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) encontram embasamento no arcabouço jurídico do setor no Brasil. Por essa razão, poderiam ser replicadas em outras regiões do país, que também enfrentam problemas de abastecimento de água.

Segundo o vice-presidente do IDS, João Paulo Capobianco, a decisão anunciada pela Arsesp abre uma nova perspectiva na gestão de recursos hídricos, além da mera arrecadação de recursos. O diferencial, observa, é o envolvimento da empresa prestadora do serviço no planejamento, na gestão e na aplicação dos recursos arrecadados, com instrumentos de governança baseados em métricas previamente estabelecidas.

“O que estamos falando é de um sistema mais em linha com a economia circular, que garanta vida permanente do recurso natural, com reutilização e redução do desperdício. Para isso, o que importa é o conjunto da obra, com indicadores eficientes e gestão participativa de toda a sociedade”, disse Capobianco.

A utilização de investir parte da tarifa da Sabesp para financiamento de um programa de recuperação de mananciais ainda depende de parecer da Procuradoria do Estado de São Paulo, mas, segundo os especialistas convidados afirmaram, encontra respaldo na legislação. A Lei Nacional de Diretrizes para o Saneamento Básico (Lei 11.445/07) tem entre seus princípios fundamentais a conservação dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente, reforçado pelo novo marco do setor, estabelecido na Lei 14.026/20.

A advogada e ex-presidente do Ibama Suely Araújo afirmou que o modelo proposto pela Política Nacional de Recursos Hídricos, aprovada em 1997, apresentou limitações ao longo dos anos, em virtude dos desafios enfrentados pelo setor. Dessa forma, observou, surgiu a necessidade de complementação de outras fontes de recursos econômicos, além da cobrança pelo uso da água, previsto na lei. 

Entre os projetos de referência de recuperação de mananciais no Brasil, a advogada citou o Programa Socioambiental de Proteção e Recuperação de Mananciais, de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, realizado pela prefeitura em parceria com a The Nature Conservancy (TNC).

“Falamos muito da experiência da TNC Camboriú, mas a minha percepção é a de que precisamos ganhar escala. O caso de São Paulo pode dar esse alcance e ser exemplo no país. Acho que o importante é fazer o que for possível para envolver todos os municípios da região metropolitana, em um pacto que também inclua o governo do Estado”, disse Araújo.

Advogado e ex-deputado federal constituinte, Fabio Feldmann ponderou que existe no Brasil uma falha em relação ao entendimento sobre o valor econômico da água, no momento em que o usuário paga a conta do serviço. Nesse sentido, Feldmann destacou o papel da tarifa como instrumento pelo qual o usuário cobre por melhor gestão dos recursos.

“Nada mais razoável que a maior empresa de saneamento da América Latina incorpore o processo de conservação de água no ciclo hidrológico como um todo. A Sabesp tem que fazer o planejamento, identificar os parceiros e cobrar por resultados para que os objetivos relacionados à segurança hídrica sejam cumpridos, principalmente em um momento de acirramento das mudanças climáticas”, afirmou o ex-deputado.

O oceanógrafo e secretário de Meio Ambiente de São Carlos (SP), José Galizia Tundisi, destacou que o programa de recuperação de mananciais proposto na revisão tarifária da Sabesp tem como vantagens ganhos ambientais e econômicos. Segundo Tundisi, o custo de tratamento em regiões do Estado onde a água tem qualidade excelente oscila entre R$ 2 e R$ 3 por mil metros cúbicos. Em outras regiões, onde a qualidade é pior, o custo de tratamento pode chegar a R$ 300. 

“Protegermos os mananciais com uma tarifa especial tem um papel fundamental na quantidade e na qualidade da água. Proteger a floresta é proteger a biodiversidade dessas regiões, que exercem um papel ecológico e econômico muito importante”, afirmou Tundisi.

Segundo o gerente nacional de Águas da TNC, Samuel Barreto, a Sabesp é responsável por 33 mil hectares de florestas, mas essa quantidade é menos do que precisam as áreas de mananciais para que esteja garantida a segurança hídrica. No reservatório do Sistema Guarapiranga, por exemplo, apenas 10% do manancial está preservado. 

Na medida em que os mananciais não estão sendo monitorados, estamos gastando mais dinheiro da pior forma possível, que é a busca por novos mananciais. Com a perpetuação desse potencial de captação mais longe a um custo maior, são criados conflitos pelo uso, como é o caso da disputa recente entre São Paulo e Rio de Janeiro pelo rio Paraíba do Sul”, lembrou Barreto.

Clique aqui e assista à íntegra da 2ᵃ Roda de Conversa com Jornalistas.

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