15/06/2016
Na última segunda-feira (13), um grupo de lideranças, ex-ministros do meio ambiente, cientistas, pesquisadores e organizações socioambientais lançaram um manifesto contra o Projeto de Lei 1.013/2011, que prevê a liberação para fabricação e venda de carros utilitários movidos a óleo diesel no Brasil. O PL poderá ser avaliado nesta semana por uma comissão especial da Câmara dos Deputados e seguir diretamente para aprovação do Senado.
O texto enfatiza o retrocesso que a aprovação deste projeto representaria para os interesses da sociedade brasileira, do ponto de vista ambiental e democrático, principalmente com a tendência de descarbonização da economia mundial e pelos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, em dezembro de 2015.
O manifesto foi organizado pelo Observatório do Clima e encaminhado à comissão especial na manhã de segunda-feira. Saiba mais informações.
Confira a seguir o texto na íntegra:
"Um atentado contra a democracia, o ambiente, a saúde e a economia
Manifesto contra o PL 1.013/2011, que libera os carros de passeio a óleo diesel no Brasil
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados votará nos próximos dias o Projeto de Lei n° 1.013/2011, que libera a fabricação e a venda de veículos leves movidos a óleo diesel no país. Nós, signatários deste manifesto, repudiamos a proposição e exigimos sua retirada, por considerarmos que ela atenta contra os interesses da sociedade brasileira em pelo menos quatro aspectos.
Trata-se, primeiramente, de um atentado à democracia. O PL já foi examinado em duas comissões da Câmara em 2014, e rejeitado em ambas – apenas para voltar à tona por uma comissão especial criada em 2015. Desta vez, a proposta tem caráter terminativo, ou seja, vai direto ao Senado sem passar pelo Plenário da Câmara. Fazer avançar à sorrelfa uma proposição derrotada enfraquece a democracia e envergonha ainda mais o Parlamento brasileiro
O PL também atenta contra o meio ambiente, já que sua aprovação ampliará no Brasil o uso do mais poluente dos combustíveis automobilísticos, além de incentivar o uso do transporte individual. Isso poria o país, mais uma vez, na contramão do planeta: cidades europeias como Londres e Paris já anunciaram o banimento dos carros a diesel após 2020, e os combustíveis fósseis no sistema de transportes estão com os dias contados após a assinatura do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Segundo a Agência Internacional de Energia[1], para cumprir a meta do acordo do clima de limitar o aquecimento global a menos de 2°C, será preciso que as emissões do setor de transportes atinjam o pico e comecem a declinar ainda nesta década, e o número de carros elétricos precisará chegar a 150 milhões em 2030. O PL 1.013 vai contra esses dois objetivos. Além disso, cria dificuldade adicional para o cumprimento da meta (NDC) do Brasil, já que amplia a participação de combustíveis fósseis na matriz e cria um desestímulo aos carros a álcool – combustível que precisa ter seu uso enormemente ampliado para que o Brasil possa cumprir a meta.
Veículos a diesel são fortes emissores de material particulado fino (PM2,5), potencial carcinógeno humano, e de óxidos de nitrogênio (NOx), precursores do tóxico ozônio troposférico. No Brasil, os limites de emissão dessas substâncias são quatro vezes mais altos do que na Europa, o que torna inviável a instalação de filtros de particulados como os que existem nos carros europeus. Mesmo que os limites fossem menores, os filtros exigem um diesel com teor de enxofre ultrabaixo – e o Brasil ainda comercializa, fora das regiões metropolitanas, diesel S500 (com 50 vezes mais enxofre do que o diesel vendido nas cidades). Com base nessas condições, pesquisadores do Conselho Internacional de Transporte Limpo estimaram[2] que a liberação de carros de passeio a diesel no Brasil aumentaria as mortes precoces por poluição do ar em 50% a 230% até 2050 – um saldo líquido de até 150 mil óbitos adicionais.
Por fim, segundo o próprio Ministério de Minas e Energia, a liberação dos carros a diesel no país não faz sentido do ponto de vista econômico. Mesmo com o aumento da capacidade de refino nos últimos anos, o Brasil segue importando óleo diesel: projeta-se que a dependência do Brasil de diesel importado seja de 17% em 2024 mesmo sem a liberação dos veículos leves[3]. Como o diesel tem incentivos tributários devido à sua importância no transporte de cargas e no transporte coletivo de passageiros, aumentar sua importação para atender a veículos leves, num país que tem biocombustíveis em abundância, forçaria a uma revisão dessa tributação especial, sob pena de causar ainda mais prejuízo à Petrobras. Isso aumentaria o custo do transporte de carga no país – exatamente o que os proponentes do PL dizem estar querendo evitar.
O PL 1.013 é uma violência contra a sociedade brasileira. O único destino aceitável para essa proposição legislativa é o arquivamento.
Assinam este manifesto:
• Adriana Fernandes – administradora
• Alfredo Sirkis – diretor-executivo do Centro Brasil no Clima
• Aquiles Pisanelli – engenheiro, Aqtra
• Bruno Fernando Riffel – geólogo, Leben Consultoria
• Calvin Iost – engenheiro ambiental, IRM
• Carla Vilela Jacinto – arquiteta
• Carlos Minc – ex-ministro do Meio Ambiente
• Carlos Eduardo Frickmann Young – professor do Instituto de Economia da UFRJ
• Daniela Reis – Minha Garopaba
• Délcio Rodrigues – físico, Global Strategic Communications Council
• Eduardo Jorge – médico sanitarista, ex-secretário municipal do Meio Ambiente de São Paulo
• Fabio Feldmann – advogado e ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
• Fernando Aparecido Benvenutti – tecnólogo agrícola
• Fernando José Balbo – engenheiro agrônomo, Usina São Francisco
• Gesse Brito dos Santos – professor
• Gilberto Natalini – médico, vereador pelo PV, São Paulo
• Gina Besen – IEE-USP
• Guilherme do Couto Justo – gestor ambiental, Bunge
• Hermano Albuquerque de Castro – médico, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz
• Isabel Dauer – jornalista
• Izabella Teixeira – ex-ministra do Meio Ambiente
• Jacyr Costa Filho – Tereos
• João Gabriel Fernandes – economista
• João Marcos Miragaia – Universidade Santa Cecília
• José Carlos Carvalho – ex-ministro do Meio Ambiente
• José Cláudio da Silva – Usina Alto Alegre S/A
• José Eli da Veiga – professor da Faculdade de Economia da USP
• Laís Faszjerstejn – pesquisadora, Faculdade de Medicina da USP
• Lucian de Paula Bernardi – Unifesp
• Luiz Gylvan Meira Filho – pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP
• Luiz Pereira – médico, Universidade Católica de Santos
• Luísa Abreu Rodrigoes – estudante
• Mara Angelina Magenta – bióloga, Universidade Santa Cecília
• Marcelle Lacerda Corrêa – Adecoagro
• Márcio Maia Vilela – Instituto de Física da USP
• Mariana Veras – médica, diretora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP
• Marina Silva – ex-ministra do Meio Ambiente
• Natalie Unterstell – Harvard Center for Public Leadership
• Nelson Gouveia – epidemiologista, professor da Faculdade de Medicina da USP
• Nilvo Silva – Nord Meio Ambiente
• Oded Grajew – empresário, Rede Nossa São Paulo
• Olímpio de Melo Álvares Júnior – engenheiro, L’Avis Eco-Service
• Oswaldo Lucon – professor do IEE (Instituto de Energia e Ambiente) da USP e membro do IPCC
• Paulo Artaxo – professor-titular do Instituto de Física da USP e membro do IPCC
• Paulo Saldiva – médico, diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP
• Pedro Roberto Jacobi – professor do IEE-USP
• Raphael Lorenzetti Losasso – administrador, Zilor
• Roberto Schaeffer – professor da Coppe-UFRJ e membro do IPCC
• Rubens Ricupero – ex-ministro do Meio Ambiente
• Sérgio Besserman Vianna – economista, professor da PUC-RJ
• Sérgio Margulis – economista, Instituto Internacional para a Sustentabilidade
• Sônia Maria Flores Gianesella – professora, USP
• Suani Coelho – professora do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP
• Tasso Azevedo – coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa
• Agroicone
• Alcopar – Associação de Produtores de Bioenergia do Estado do Paraná
• Amigos da Terra Amazônia Brasileira
• Aprec Ecossistemas Costeiros
• Apremavi
• Associação Brasileira de Biotecnologia Industrial (ABBI)
• Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
• Ecoa – Ecologia e Ação
• Engajamundo
• Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
• Fundação SOS Mata Atlântica
• Fundación Avina
• Greenpeace
• Grupo Libra
• Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade
• Imaflora
• Iniciativa Verde
• Instituto Akatu
• Instituto Arapyaú
• Instituto Centro de Vida (ICV)
• Instituto Clima e Sociedade
• Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema)
• Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
• Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
• Instituto Ethos
• Instituto Internacional de Educação do Brasil
• Instituto Socioambiental
• Observatório do Clima
• Odebrecht Agroindustrial
• Projeto Hospitais Saudáveis
• Proteste Associação de Consumidores
• Siamig – Associação das Indústrias Sucroenergéticas do Estado de Minas Gerais
• SOS Amazônia
• Uma Gota no Oceano
• Unica – União da Indústria da Cana-de-Açúcar"
Foto Home: Robert Couse-Baker/ Flickr Creative Commons
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