29/06/2016
O problema crônico da falta de planejamento no Brasil, a falta de percepção do conjunto do território e o desvirtuamento dos instrumentos previstos para licenciamento das obras são alguns dos nós relacionados à expansão da hidroeletricidade na Amazônia, abordados durante o debate do ciclo “Desafios para uma Amazônia Sustentável”, realizado na última quinta-feira (23), na USP. Para Neli de Mello-Théry, coordenadora da iniciativa pelo IEA/USP, esses fatores propõem o questionamento sobre o modelo de exploração energética na Amazônia, baseado principalmente em hidrelétricas, e sobre quais podem ser as alternativas para a região.
Com um número cada vez maior de empreendimentos hidrelétricos previstos pelo Governo Federal em programas como o PAC, a Região Norte consolida-se como a “casa de força” do Brasil. A expansão da hidroeletricidade na região deve-se ao enorme potencial da bacia hidrográfica amazônica, uma das maiores do mundo, cuja área abrange sete países e com uma vazão de 132.145m³/s¹. Seu crescimento no Brasil também se deve por ser considerada uma fonte de energia limpa, em comparação com outras fontes fósseis, como as térmicas a carvão.
Entretanto, tais empreendimentos causam grandes impactos para a biodiversidade regional, para a vida das populações locais e tradicionais e alteram a dinâmica hidrológica em larga escala. Além disso, há ainda a previsão de menor eficiência energética a longo prazo, considerando a menor disponibilidade de água devido ao grande número de barragens e às mudanças climáticas a partir de metade do século.
Evandro Moretto, professor da EACH/USP, afirmou que as avaliações de impactos socioambientais que acontecem ao longo do planejamento do setor energético, mas não chegam às etapas de implementação em condições de serem solucionadas. “Questões críticas se amplificam e são endereçadas ao licenciamento ambiental sem plenas condições de solução", afirmou Moretto. Considerada uma importante etapa para o debate público sobre as obras, o licenciamento ambiental tem sido “atacado” no Congresso. “Há realmente um problema com a tomada de decisão, umas vez que todos estes estudos de impacto e viabilidade são feitos após a decisão de se fazer uma obra”, opinou Philip Fearnside, pesquisador do INPA, sobre a dificuldade de influenciar o processo. Tramitam na Câmara e no Senado a PEC 65 e o PLS 654, respectivamente, que buscam flexibilizar ou extinguir o atual processo de licenciamento ambiental de grandes obras de infraestrutura.
“Potencial invejável”
O planejamento do setor energético ainda não incorpora o potencial invejável de energias alternativas que o Brasil possui e nem os impactos das mudanças climáticas na matriz energética, destacou Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de energias renováveis do Greenpeace Brasil. “Estão projetando a hidrelétrica São Luiz do Tapajós de maneira mais otimista do que vai acontecer, considerando o risco hidrológico e o impacto das mudanças climáticas", explicou Baitelo sobre o polêmico empreendimento. Para ele, o Brasil já tem capacidade de fazer um planejamento considerando energias alternativas para ter energia firme e segura. “Não precisaríamos dessa energia hidrelétrica de Tapajós, como o governo defende”. O modelo do Tapajós segue o modelo que gerou controvérsias e disputas na região, como ocorreu com as hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antonio e Jirau. Recentemente, o licenciamento ambiental da obra foi suspenso pelo Ibama e a Funai reconheceu a demarcação de terras da tribo Munduruku, diretamente impactada pela construção da barragem.
Durante o debate, especialistas evidenciaram a desconexão entre o planejamento energético do País com outras políticas de ordenamento territorial e cenários dos impactos das mudanças climáticas.
Fearnside, estudioso da Amazônia há mais de 40 anos, falou sobre a grande quantidade de projetos hidrelétricos ainda previstos pelo Governo para a região. “O grande argumento é que as hidrelétricas geram energia barata, mas isso não é verdade. Belo Monte já custa mais que o dobro do que quando decidiram construir a barragem”, falou sobre o impacto da usina instalada no rio Xingu (Pará), com pessoas retiradas a força e desrespeito à Convenção nº 169 da OIT. “É importante que seja reforçado que não é realmente barata essa opção”.
Esse modelo insustentável de proliferação de barragens atualmente representa, além do socioambiental, também um impacto econômico, argumenta João Paulo Capobianco, do IDS, durante o debate. “Antes se falava que a construção nesse modelo tinha impactos locais e benefícios regionais, mas agora com o avanço de estudos e conhecimentos percebe-se que o impacto é nacional e até regional”, falou Capobianco. Por se tratar de uma bacia hidrográfica internacional transfronteiriça, o impacto nacional, e até mesmo regional, decorre em grande parte pela falta de planejamento estratégico e pela baixa percepção do impacto no conjunto do território, e não apenas local, concluiu Neli de Mello-Théry.
Assista ao debate na íntegra:
Parceiros