25/03/2022
Por Aline Souza – jornalista e comunicadora no IDS
A quarta roda de conversa da série Espaços de Ativismo aconteceu no dia 24 de março em parceria com Youth Climate Leaders e Ashoka com o objetivo de debater os empregos verdes, colocações que pretendem aliar a atenção crescente ao desafio climático e a inclusão das novas gerações às empresas e organizações conscientes sobre os desafios da sustentabilidade desse novo tempo.
São postos de trabalho de diversos setores como agricultura, construção civil, indústria, mas também atividades científicas, técnicas, e outras que contribuam substancialmente para a preservação e melhoria da qualidade ambiental ou ainda que reduzam a emissão de carbono. Isso significa que independentemente dos postos de trabalho desempenhados, a produção de uma empresa ou organização deve atender a esses requisitos. Os empregos verdes seriam, portanto, a solução para o grande problema da inserção das juventudes na vida profissional? Esse é o futuro do trabalho?
O Brasil tem hoje mais de 47,2 milhões de habitantes entre 15 e 29 anos, o que representa quase um terço dos brasileiros e uma quantidade próxima à atual População Economicamente Ativa. Esse é um bônus demográfico que tende a não se repetir mais, considerando a tendência do envelhecimento da população. No entanto, temos um alto índice de mortalidade entre os jovens, principalmente entre a população negra que morre mais por morte violenta. Estamos deixando todo esse potencial humano se esvair ralo abaixo.
Existe uma falta de perspectivas generalizada entre os jovens no Brasil. As crises econômica, política e social pelas quais o Brasil vem passando nos últimos anos, somadas à pandemia da Covid-19 têm piorado índices educacionais, econômicos, sociais, do mercado de trabalho, e afastado o país do rumo do desenvolvimento sustentável, democrático e inclusivo. Tudo isso está roubando o futuro de toda uma geração. Trata-se de uma corrida contra o tempo para combater as desigualdades de maneira intergeracional, e os últimos anos no Brasil demonstram que o tempo vem ganhando.
É importante destacar que dentre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Meta 8.6), o Brasil havia se comprometido a reduzir, até 2020, em três pontos percentuais a proporção de jovens desocupados, sem trabalho e/ou emprego. O Relatório Luz de 2021 aponta, nesse sentido, o retrocesso da meta no último ano, dando pouca esperança de que até 2030 a redução chegue aos prometidos 10 pontos percentuais. E estamos retrocedendo também nas metas ambientais do Brasil, o que eleva os níveis de ansiedade climática em jovens, afetando suas vidas pela preocupação com a mudança climática, por meio de sentimentos como abandono, vulnerabilidade e medo.
Algumas questões relevantes estarão presentes nesse debate:
Para debater esses temas, com mediação de Marcela Moraes, assessora de advocacy do IDS, convidamos Viviane Romeiro, advogada doutora em energia e meio ambiente, Raphael Medeiros, diretor executivo do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, Karla Giovanna Braga, engenheira sanitarista e ambiental e Marcelo Rocha, do Instituto AYIKA.
Acompanhe as principais contribuições para esse debate e assista também a transmissão completa abaixo:
“Queremos mudança para que possamos atuar com propósito em nosso trabalho. O termo Justiça Climática está crescendo e ganhando relevância, ele veio para ficar. É preciso mudar o olhar para o trabalho como oportunidades de expansão da consciência, uma contribuição nossa como algo maior que precisamos fazer por nós e pelo mundo. Não se trata apenas de vagas de empregos. Nós somos parte do meio ambiente, da natureza, precisamos entender como isso se traduz nas oportunidades de empregar aquilo que a gente veio aqui para fazer e para a expansão da consciência do mundo”, disse Romeiro.
Entender o emprego com essa visão é muito importante. Para ela, é preciso criar uma gestão amorosa dentro do entendimento de que todos somos um. Se estamos bem internamente, precisamos estar bem em todos os lugares e o trabalho é uma parte de nossa vida, não é nossa vida. A proposta é ter um olhar mais humano para nossa missão e agir no mundo.
“Uma transição para uma economia mais sustentável tem a ver com a produção de alimentos, preservação dos recursos hídricos e uma saúde mais sustentável para todo mundo. Já é uma realidade a busca por produtos certificados, por empresas com consciência ambiental e por encontrar soluções que não sejam só tecnológicas, mas principalmente em ternos de politica pública”, afirmou.
De acordo com ela, o tema da sustentabilidade e das mudanças climáticas, a agenda ambiental está muito em voga. “Eu acredito muito em nossa capacidade de expansão do entender. Não existe meio ambiente, nós fazemos parte desse todo, da natureza”, conclui.
Viviane é advogada doutora em energia e meio ambiente, especialista em mudança do clima e sustentabilidade, com 15 anos de experiência e conhecimento das tendências intersetoriais e governamentais/privadas em políticas climáticas e sistemas agroalimentares.
De acordo com Raphael a conta é bem simples. Precisa ter empresas verdes, mas precisa também ter produtos verdes e clientes verdes para que existam empregos verdes. É uma questão de propósito e de geração de demanda também. “Somos nós consumidores que ditamos quais empresas poderão estar de pé ou não, hoje e em um futuro próximo. E todo mundo já percebeu que as empresas que vão ficar são as empresas verdes”, afirmou.
É algo irreversível de acordo com ele, uma etapa de nossa evolução. “Nunca mais o mundo será o mesmo depois desse tempo de agora. E vamos precisar criar mais justiça e consciência, pois este é um caminho de não retorno. A juventude está guiando isso na economia, na sua forma de consumir e de defender suas ideias, seu ativismo, suas escolhas”, explicou Medeiros.
Para ele, a potencia dos empregos verdes no Brasil está na Amazônia, a economia do Brasil pode ser pautada no meio ambiente, na inserção e na capacitação em serviços ambientais. Ainda bem que o mercado consumidor não vai topar outro perfil empresarial daqui pra frente.
Raphael é diretor executivo do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, onde tem desenvolvido e implementado projetos que fazem a conexão entre a floresta amazônica e negócios sustentáveis tendo os jovens como protagonistas.
“Eu sou do Pará, comecei adiar o fim do mundo quando percebi que estava inserida em uma realidade que não compactuo. Eu percebi que eu queria algo diferente para fazer da minha vida no mercado de trabalho. Não queria aquele trabalho formal sem uma lógica que fizesse sentido” explicou Karla.
Segundo ela, pensar que estamos vivendo na maior reserva bioenergética do planeta é muito bom. “Temos um potencial incrível. Mas eu fico sempre muito triste quando penso que a região continua subdesenvolvida e a serviço de um grande capital externo”, desabafa ela.
Karla é engenheira sanitarista e ambiental, diretora de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade na Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (COJOVEM).
A participação de Marcelo no evento também foi muito marcante, pois ele comentou em vários momentos a interseccionalidade de gênero e raça no debate climático. De acordo com ele, tema das mudanças climáticas é um tema novo para o Brasil, nós sempre tivemos uma visão ambientalista muito marcada, mas falar da crise do clima é algo recente a partir do agravamento dos desastres que estão acontecendo. “Elas são consequências de uma trajetória sobre como a gente vive e de ações antropogênicas, ou seja, da ação do homem. Da forma como a gente vive e trabalha, ou seja, todo o modelo capitalista que impera até aqui”, disse.
“Tivemos diversas Eras no planeta e estamos passando por mais uma delas. O planeta sobrevive a essas transformações, nós não. E aí pensando na questão do território, no Brasil o jovem não tem expectativa de vida”, afirmou. Marcelo citou dados do Atlas das Juventudes que apresenta o retrato do Brasil hoje como lar de quase 50 milhões de pessoas com idade de 15 a 29 anos (1/4 da população brasileira é jovem). No entanto, é uma enorme parcela quase sem perspectivas de futuro, seja pela violência urbana, seja pela desigualdade social, seja pela falta de oportunidades educacionais. “Esse é o momento onde temos a oportunidade de transformar o próximo mundo do trabalho, isso significa que a gente tem a oportunidade de olhar para esse mercado com um potencial de progresso econômico gigantesco e de desenvolvimento sustentável”, destacou.
Marcelo é fotógrafo e Diretor Executivo do Instituto AYIKA.
É imprescindível pensar em políticas públicas de inserção e qualificação profissional aos jovens aliadas à sustentabilidade, com trabalho decente, isto é, políticas que assumam condições dignas de direitos trabalhistas, salários, segurança, etc.
Confira esse debate conosco!
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Sobre o IDS Brasil: O IDS Brasil é uma organização que atua há mais de 10 anos buscando soluções para políticas públicas e iniciativas locais e nacionais de desenvolvimento socioambiental e incidência política.
Sobre o Youth Climate Leaders: rede criada em 2018 por quatro mulheres brasileiras que oferece soluções para dois dos principais desafios deste século: a crise climática e o desemprego estrutural.
Sobre a Ashoka: Pioneira e maior rede global de empreendedores sociais, a Ashoka é propulsora do movimento Todos Somos Agentes de Transformação.
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