30/11/2021
Por Aline Souza – Jornalista e Comunicadora no IDS
Como chegamos ao catastrófico cenário atual de emergência climática que nos encontramos hoje? Muitas pessoas das gerações mais jovens podem estar atônitas com tudo que se diz a respeito das condições ambientais do planeta, afinal, os diagnósticos são cada vez mais pessimistas sobre a possibilidade de reconstrução de um futuro sustentável, o que gera uma preocupação compreensível. É importante ouvir e compreender esse momento, mais que isso é importante aprender com quem chegou até aqui para encontrar saídas possíveis para os que ainda virão.
O IDS realizou no dia 30 de novembro, em parceria com o Engajamundo e o Youth Climate Leaders – YCL, o segundo encontro da série de debates “Espaços de Ativismo” com o tema Emergência climática: como é possível construir um futuro sustentável? com transmissão ao vivo pelo canal do Youtube do IDS.
Com a mediação de Ana Carolina Amaral, jornalista ambiental na Folha de SP, vamos promover um debate intergeracional sobre o ativismo pela sustentabilidade e para isso convidamos :
Se o tema já era primordial, após a COP 26 de Glasgow – Conferência Global das Partes, fica latente que é hora de acabar com os discursos vazios e agir encarando os desafios impostos pela crise climática, que já é uma realidade entre nós, a fim de garantir os direitos das novas gerações. Vimos que as transformações sociais e politicas são movidas pelas novas gerações ao longo de toda história, mas especialmente agora elas têm uma grande força para a questão climática. Toda e qualquer ação nesse sentido irá abordar áreas da vida em coletividade: a economia verde, a remodelação do sistema de transporte urbano, a educação climática, uma produção agrícola sustentável, uma melhor gestão das águas e saneamento básico. Para Laura, do Engajamundo, “viver a emergência climática com troca entre gerações é muito importante, os debates precisam acontecer com esse espírito e com pessoas que normalmente estão de fora do circuito”, ou seja, ouvir novas vozes participando do diálogo sobre o tema.
Suely Araújo, ex presidente do Ibama, lembrou que desde a Eco 92, o movimento que inaugura o debate socioambiental no Brasil, estamos acostumados com decisões políticas lentas e não deveria ter sido assim. “A COP 26 em Glasgow deixou evidente que há a necessidade de sermos mais ambiciosos em nossas metas de descarbonização do mundo. Ocorre uma burocracia do trabalho na construção das leis e nos processos das organizações internacionais. No entanto, não temos mais o tempo que tínhamos em 1992, quando tudo isso começou. Parecia tudo muito longe. O cenário hoje em dia é muito mais problemático. O último Relatório do IPCC é assustador. Estamos com um desafio enorme para os jovens, que vão trabalhar com mais intensidade e com mais pressa. Nós erramos. Fomos lentos demais, mas acredito no poder da juventude. O caminho é ajudar a mudar a cabeça das pessoas para alterar e mudar aquilo que a minha geração não foi capaz de fazer”, disse.
Fábio Feldmann, explicou que desde a redemocratização a participação social no Brasil é um processo contínuo e existia uma barreira cultural sobre o que era meio ambiente e sustentabilidade. Os temas eram ignorados. “A Sociedade Civil sempre esteve alijada dos processos de decisão na questão climática e isso mudou a partir de 1992, foi um marco importante não apenas pelo conteúdo que marcou o conceito de biodiversidade surgido em 1988, mas também para a participação social que até então era inédita”, contou. “A pedra angular da sustentabilidade, além da dimensão econômica, política e ambiental, é hoje a questão geracional, pois a realidade é muito mais severa agora. Além de nós, existem as futuras gerações e precisamos ter um olhar, crítico, ético e responsável para com o legado que estamos deixando. E aqui no Brasil temos um presidente que estimula a delinquência ambiental e ainda estamos lutando também pela Democracia”, afirmou o ex deputado constituinte.
No Brasil, vivemos possivelmente a pior crise ambiental da nossa história em função da política de meio ambiente adotada pelo atual governo. Dados do último Relatório Luz, que se encontra disponível em nossa Biblioteca Virtual, mostram que não houve avanço em nenhuma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, mas retrocessos na maioria delas.
A América Latina e o Caribe, juntas, constituem a segunda região mundial mais afetada pelo clima, registrou 1205 desastres naturais, atingindo 152 milhões de pessoas entre 2000 e 2019. Segundo a FAO, 16% das perdas e danos ao setor agrícola na América Latina são advindos de desastres. Esse cenário pede por medidas que não apenas recaiam como consequência às emergências e desastres ou mitiguem os danos já causados ao meio ambiente, mas que planejem a ação concertada de organizações internacionais, nações, entes locais e demais instituições – como empresas e universidades – rumo a um futuro mais sustentável.
É preciso reconhecer os saberes indígenas como ciência, essa é a mensagem de Hamangaí Pataxó, futura médica e ativista do Engajamundo. “A juventude indígena já nasce com essa luta em defesa do território, somos educados nesse contexto, mas foram muitas situações que me recordo de ataques que sofremos em nossa mobilização pacífica em defesa de nossos direitos, nos tratando como terroristas. É assim que somos vistos em Brasília – DF e por boa parte da população”, desaba a líder indígena, que só conheceu o significado da palavra “ativismo” e “mudanças climáticas” muito recentemente em 2017. Ela contou ainda que o processo de demarcação de seu território no sul da Bahia demorou 30 anos e embora todos pensassem que os problemas estariam resolvidos e os direitos respeitados, a comunidade nunca teve paz. OU seja, a demarcação sozinha não garante direitos. Além das tentativas de invasão constantes, a falta de água potável, de acordo com ela, são um dos principais problemas vivenciados. Hamangaí concluiu que “as mudanças climáticas afetam todos de diferentes maneiras, quem está na favela, na periferia, no centro urbano, em um território indígena, dentro das comunidades tradicionais, nas capitais. A defesa da natureza não deve ser missão apenas dos povos indígenas, mas os saberes indígenas é uma ciência que pouca gente valoriza”.
O tema é urgente e a juventude possui um papel importante para transformar os discursos em ações para um futuro possível. Segundo a pesquisa People’s Climate Vote, realizada pela ONU, 64% da população mundial acredita que as mudanças climáticas são um grande problema e merecem mais atenção dos governantes. Para o público mais jovem, com menos de 18 anos, esse índice global é de 70%.
No entanto, segundo dados da pesquisa Democracia e Eleições, os jovens brasileiros percebem alguns valores centrais para a atuação política: 62% deles acreditam que o combate à fome e à pobreza deveriam ser prioridades. A preservação da Amazônia e do Meio Ambiente aparece em 27% das respostas e o combate às mudanças climáticas em 6%, ficando em 13° lugar na lista de prioridades e valores sociais. Em primeiro lugar está o combate à corrupção (35%), seguido por uma economia forte que gere empregos (33%) e combate ao preconceito (29%). A pesquisa, lançada em novembro, ouviu mais de mil jovens brasileiros de 16 a 34 anos para entender melhor suas percepções sobre questões políticas e sociais do país.
Celina Pinagé destacou que um futuro sustentável também se constrói com uma comunicação mais inclusiva e democrática, falar de clima global de modo a fazer com que todos entendam como isso afeta a vida delas. “Estive na COP 26 e concordo com Suely sobre a potência que se viu dos jovens de todas as partes do mundo naquele evento. Estamos falando sobre Mudanças Climáticas de uma forma muito técnica, distante das pessoas. Queremos estar no centro das decisões das políticas públicas, muitos de nós nasceu no ápice dessa crise do clima e ninguém consegue entender a urgência que os técnicos falam. Precisamos mostrar que todos nós já estamos sendo atingidos por essas mudanças na prática”, afirmou. Para Celina, os jovens estão organizados para exigir que sejam compreendidas as vozes, as demandas e o contexto dos grupos de vulnerabilidade. Essa é uma pauta social ampla. “Quem mais está sendo afetado pelas mudanças climáticas não é quem está emitindo carbono”, disse Celina.
O debate foi muito rico no caminho da ação transformadora da juventude, que é capaz de liderar o planeta. É preciso mover a sociedade no caminho da evolução, colocar a política do cuidado e os grupos de minoria política no centro, é preciso gerar incômodo para o poder estabelecido, movimentar o tecido social com políticas inclusivas e segurança alimentar saudável, trabalhar pela representatividade democrática e diversa. Esse projeto pretende tratar a relevância da juventude para o fortalecimento de nossa democracia e sustentabilidade, pois uma não prospera sem a outra, muito menos com a ausência dos jovens, herdeiros da vida em sua continuidade.
Assista a live completa aqui:
Acompanhe o canal: YT/InstitutoDemocraciaeSustentabilidade/videos
Saiba mais sobre o YCL, rede criada em 2018 por quatro mulheres brasileiras que oferece soluções para dois dos principais desafios deste século: a crise climática e o desemprego estrutural.
https://pt.youthclimateleaders.org/
Saiba mais sobre o EngajaMundo, organização socioambiental de juventudes criada em 2013 com o intuito de acessibilizar a participação de jovens brasileiros em espaços de tomada de decisão internacional e que atua através de processos de formação, participação e mobilização de jovens.
Parceiros