21/09/2020
Ministro Barroso convoca audiência inédita com especialistas e autoridades para discutir crise no meio ambiente no governo Bolsonaro
O Supremo Tribunal Federal realiza hoje e amanhã (21 e 22 de setembro) uma audiência pública inédita para discutir a atual crise ambiental brasileira e suas implicações para o combate à emergência climática. É a primeira vez na história do Brasil que a crise do clima chega à Suprema Corte, mas o debate vai além: estará em avaliação o desmonte da governança ambiental no governo de Jair Bolsonaro.
A audiência foi convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma ação judicial de quatro partidos políticos (Rede, Psol, PSB e PT) que questiona a omissão do Ministério do Meio Ambiente ao deixar parado, desde o início do governo, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima — um dos principais instrumentos de financiamento à luta contra o aquecimento global no país. Barroso situou o Fundo num contexto mais amplo e convidou dezenas de autoridades e especialistas da academia, sociedade civil, setor privado e governo para montar um panorama da situação ambiental do país. No entendimento do ministro, o Fundo Clima ilustra um conjunto de ações e omissões que pode representar um estado generalizado de inconstitucionalidade. Entre os convidados está o IDS, com a presença do vice-presidente João Paulo Capobianco, biólogo e ambientalista, doutor em Ciência Ambiental pela USP e ex secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (2003-2008).
O debate terá início à véspera do discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas, no qual se espera que o presidente negue mais uma vez a explosão das queimadas, do desmatamento e da violência contra povos indígenas em seu governo. Mas os dados indicam que o desmatamento na Amazônia está há dois anos fora de controle, com alta de 34% em 2019 e de mais 34% nos alertas do Inpe em 2020; as queimadas na Amazônia já superam as do ano passado, mesmo após quatro meses de ação do Exército na região; o Pantanal vive a pior temporada de fogo de sua história — pelo menos 20% do bioma já queimou. Imprensa, ONGs, ex-ministros do Meio Ambiente e servidores ambientais federais denunciam a destruição de 35 anos de governança ambiental. Investidores e compradores de commodities ameaçam o país com sanções comerciais.
Serão quatro seções e cada representante inscrito terá 15 minutos para apresentar suas perspectivas. Comparecerão à audiência vários ministros de Estado (Augusto Heleno, Ricardo Salles, Tereza Cristina, entre outros), os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira; o ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão; a pesquisadora do Inpe Thelma Krug; a líder indígena Sônia Guajajara; o relator da ONU David Boyd; o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga; e o presidente do Itaú Unibanco Candido Bracher (a agenda completa ao final).
Pressão e pressa
Num movimento que já demonstra os efeitos da pressão da ADPF em trâmite — e numa tentativa de esvaziá-la —, o governo:
Essas providências de última hora estão longe de ser suficientes para enfrentar os desafios do Fundo. A começar pelo caráter genérico do plano aprovado para 2020. Além disso, há um ponto de atenção: o anúncio de direcionamento prioritário dos recursos do Fundo Clima para recuperação de resíduos sólidos. A área representa cerca de 2,5% das emissões nacionais de gases de efeito estufa e é apenas uma entre nove linhas possíveis de aplicação reembolsável, geridas pelo BNDES.
Entenda a ação
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-708) chegou ao Supremo pelas mãos de quatro partidos políticos. Ela foi baseada em documentos técnicos compilados pelo Observatório do Clima — rede composta por 50 organizações da sociedade civil. A ADPF aponta que o Fundo Clima estava congelado desde o início do governo Bolsonaro. Outra ação com origem similar (recebida pela ministra Rosa Weber) indica o mesmo destino para o Fundo Amazônia.
O Fundo Clima foi estabelecido em 2009 para financiar ações de mitigação e adaptação com royalties de petróleo e empréstimos com juros especiais, por meio do BNDES. Trata-se de um dos principais mecanismos financeiros da política climática brasileira, que permitiriam ao país cumprir a Lei nº 12.187, da Política Nacional sobre Mudança do Clima, bem como o compromisso brasileiro no Acordo de Paris. No início do mandato, Ricardo Salles dissolveu a Secretaria de Mudanças Climáticas, órgão governamental responsável pelo Fundo Clima. E, em abril do ano passado, um decreto do presidente Bolsonaro extinguiu seu Comitê Gestor.
O Fundo abrange as modalidades não reembolsável e reembolsável e permite captação por órgãos e entidades da administração pública direta e indireta (federal e estadual e municipal), fundações de direito privado (incluídas as fundações de apoio), associações civis, empresas privadas, cooperativas e outros possíveis beneficiários.
Em 2019, havia autorização orçamentária para aplicação de cerca de R$ 8 milhões não reembolsáveis no fomento a estudos, projetos e empreendimentos, somando os dois grupos de despesas. No fechamento do ano, foram empenhados apenas R$ 718 mil. O restante dos recursos permaneceu sem aplicação, essencialmente pela governança do Fundo ter se mantido inoperante. Quanto aos recursos reembolsáveis, geridos pelo BNDES mas também submetidos à supervisão do Comitê Gestor do Ministério do Meio Ambiente, os valores disponíveis em 2019 eram de mais de R$ 500 milhões. Cerca de R$ 350 milhões foram empenhados, mas só recentemente foram direcionados para o banco.
Declarações
"Estamos diante de uma permanente e irresponsável luta contra os fatos. O governo segue negando os dados que apontam um índice alarmante de desmatamento no Brasil desde que assumiu a gestão do país. Apesar de toda a pressão externa que outros países do mundo estão promovendo, aqui a preocupação é apenas com a narrativa dos fatos e não com os fatos em si. Por esse motivo, é importante participar de um momento onde a transparência pode se fazer presente perante uma audiência pública para todo o povo brasileiro conhecer o que está ocorrendo com nossas florestas e áreas de preservação ambiental" João Paulo Capobianco, vice-presidente do IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade
“A audiência pública constitui uma oportunidade ímpar para debater o desmonte da política ambiental no país. O governo Bolsonaro tem operado uma inação calculada nesse campo. Desestrutura institucionalidades, paralisa aplicação de recursos, atua contra os órgãos ambientais. Os problemas envolvendo o Fundo Clima, o Fundo Amazônia e a inexecução orçamentária são elementos de um mesmo quadro, a antipolítica ambiental do governo.” Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima
“Em meio ao fogo que destrói os biomas do Brasil e à crise do clima, o Judiciário se faz presente abrindo suas portas para discutir como o país apagará a guerra de narrativas travada entre o discurso oficial do governo e o que realmente acontece com o meio ambiente e os brasileiros.” Fabiana Alves -Coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil
“A audiência no STF é histórica porque marca a primeira vez que as mudanças do clima chegam à pauta da Suprema Corte. Espera-se que o Supremo incorpore esse tema fundamental em suas decisões de agora em diante, em especial no contexto de pós-pandemia. A janela está se fechando para o mundo agir contra a crise do clima e o Brasil está andando na direção contrária.” Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
“Chegou a hora de o STF determinar a implementação das políticas ambientais de combate à emergência climática, ao desmatamento e às queimadas, sob pena de tornar letra morta os direitos da sociedade brasileira previstos na Constituição.” Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental
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Agenda
Segunda-feira (21/9), das 9h às 13h – Autoridades e órgãos públicos
Segunda-feira (21/9), das 14h30 às 18h15 – Organizações sociais e institutos de pesquisa
Terça-feira (22/09) – das 9h às 12h30 – Academia
Terça-feira (22/09) – das 14h30 às 18h – Atividades empresariais
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