Levantamento revela situação dramática dos rios da Região Metropolitana de São Paulo

08/12/2017

Por Guilherme Checco – Pesquisador do IDS

Grande parte dos rios da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê está poluída de maneira tão grave que suas águas estão inadequadas para a maioria dos usos, como o consumo humano, a pesca e a recreação. Em 30 de outubro, a Secretaria do Meio Ambiente divulgou a Base Hidrográfica do Estado de São Paulo, com os mapas que indicam as condições dos rios paulistas.

Não é necessário ser especialista em recursos hídricos para notar, por exemplo, que os rios Tietê e Pinheiros estão poluídos. Basta passar por alguma das marginais que o próprio odor fala por si só. Entretanto, as informações disponibilizadas agora pelo governo assustam por revelar a dimensão e a complexidade desse problema, que não é apenas ambiental, mas também social e econômico.

Os mapas divulgados pelo governo apresentam a situação dos rios por meio de um mecanismo chamado enquadramento. Previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos, o enquadramento é um importante instrumento de gestão e planejamento ambiental que tem o objetivo de garantir a qualidade da água de maneira compatível a seu uso ao mesmo tempo em que servem como uma sinalização preventiva para que a qualidade não piore. Assim, os rios do Brasil podem ser classificados em quatro diferentes classes, sendo a classe 1 para os rios com as águas de melhor qualidade e a classe 4 para os que estão em situação mais crítica.

A realidade preocupante das águas paulistas pode ser vista na imagem abaixo, que destaca o território da Bacia do Alto Tietê, o qual coincide em grande medida com a Região Metropolitana de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os locais destacados em verde são as águas com melhor qualidade. Em azul são os rios de classe 2, enquanto que em amarelo estão destacados os rios de classe 3. E, por fim, a realidade mais assustadora. Em vermelho estão as águas de pior qualidade, impróprias para praticamente todos os tipos de uso, chamados de rios de classe 4.

Para que o leitor se localize espacialmente, a concentração das águas destacadas em vermelho está alocada em sua maior parte na cidade de São Paulo. No centro do mapa, também em vermelho, estão nossos dois grandes rios, o Tietê e o Pinheiros. Ambos podres, mortos por conta da poluição causada por nós, seres humanos.

As dinâmicas das águas destacadas no mapa tem como ponto central o Rio Tietê. Todas as águas dessa área se encontram de alguma maneira com o curso do Rio Tietê. Vale lembrar que o Rio Tietê, que dá o nome da bacia hidrográfica em análise, nasce no município de Salesópolis, na porção leste do mapa, e vai se deslocando para a porção noroeste do Estado de São Paulo. Percebe-se que a área das nascentes do rio está destacada em verde e, conforme as águas vão se aproximando da urbanizada e populacionalmente concentrada cidade de São Paulo, suas condições vão piorando. Isso acontece igualmente com as demais águas que nascem límpidas em Mairiporã, ao norte, ou Embu-Guaçu, ao sul, e vão sendo degradadas ao se aproximar do seu ponto mais baixo de drenagem, próximo ao Tietê.

A previsão normativa de rios classe 4 é considerada por muitos especialistas um absurdo. Legalmente, as águas desses rios podem ser destinadas somente à navegação e à harmonia paisagística (Resolução Conama nº 357/2005). Para esses críticos, a previsão normativa dos rios de classe 4 representa uma aceitação pelo Estado dessa realidade e, mais do que isso, uma indicação perversa da impossibilidade de reversão desse quadro.

Em outras palavras, o enquadramento é uma bússola que aponta para onde e em quais condições a sociedade deseja que seus rios “naveguem”. O fato de termos rios totalmente poluídos e aceitarmos o enquadramento de classe 4 é um indicador ruim. Entretanto, esse quadro pode ser alterado com o interesse e a pressão da sociedade, com Comitês de Bacia fortes e com quadro técnico capacitado e com a participação de políticos responsáveis que se mostrem preocupados com nossas águas. Podemos alterar o mapa apresentado nesse texto de modo que não haja mais nenhum traço vermelho, com uma forte tendência para o verde.

O enquadramento não é mera formalidade, pelo contrário. Ele é também um orientador para o funcionamento de outros instrumentos, como a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e o licenciamento ambiental.

É importante que a sociedade compreenda que os rios poluídos carregam unicamente notícias ruins. Da perspectiva ambiental, isso é obvio. Do ponto de vista social, um rio de classe 4 é uma ameaça evidente à saúde e ao bem-estar da população.  E, em termos econômicos, um rio poluído significa a diminuição da disponibilidade hídrica para diversos usos, o aumento dos custos de tratamento e gastos altíssimos com obras para captar água de outros lugares.

Os rios estão poluídos, mas isso pode mudar. Cabe a nós essa decisão.

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Publicado originalmente no blog "Mais Democracia, Mais Sustentabilidade", no site do Estadão. Confira aqui.

 

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