IDS Opina: Conversa com Benilda Brito, associada ao IDS.

25/10/2024

Esta conversa da equipe do IDS Opina com a associada do IDS Benilda Brito* que esse Dia Nacional da Defesa da Democracia falando sobre a importância de uma democracia inclusiva.

“A democracia brasileira é de homens brancos e heteros”

Benilda Brito se descreve como uma mulher preta retinta, usando um cabelo com tranças na altura do ombro, um vestido com estampa africana de uma loja de uma empreendedora preta de Salvador, a Negrife. Também sou uma mulher negra lésbica, sou de axé sou quilombola lá do Quilombo do Açude em Minas. E sou neta da dona benigna, sou filha da dona Zaira, mãe do Odair do Alair, Daiana, sou avó do Hernando Miguel e tenho 50 mais.

“Eu gosto de me apresentar assim porque essas diversidades são as intersexualidades que atravessam o meu corpo preto. O meu corpo de mulher negra”.  Benilda já acumula 46 anos de militância política praticante. “É o que me deu régua e compasso para dar conta da minha vida”. Por isso estudou direitos humanos, por isso se formou em pedagogia. Por isso fez gestão social na UFBA e por isso, também, tem hoje uma consultoria que utiliza uma metodologia afrocentrada, a Múcua, que trabalha com diversidade, equidade inclusão dentro das empresas e instituições, mas que também com uma intervenção de senso de formação de política de enfrentamento aos racismos.

IDS Opina – Está havendo uma reversão de direitos no Brasil?

“Falar sobre isso no Dia da Democracia é extremamente importante”, explica. Para ela, para existir democracia é preciso se discutir acesso igualitário de direitos, o que, no Brasil, nunca existiu. Ela aponta que o país sempre tratou de forma desigual os considerados desiguais que são as populações indígenas e os negros, que não são minorias. É importante falar sobre minorias, “porque muita gente entende minoria em termos numérico e não é isso. Quando a gente usa a expressão minorias é para falar de pessoas que são tuteladas que não tem autonomia não atingiram a maioridade política”.

“É porque não nos reconhecem a competência como sujeito de direitos, como alguém que é a capaz de pensar democracia e de viver democracia”.

“O Golpe de Estado de 2016 representou um enorme retrocesso nas políticas sociais”, diz. Ela aponta que o país continuou congelado em uma hierarquia financeira e social histórica, onde quem tem acesso a direitos e ganha mais são os homens brancos, depois deles as mulheres brancas, depois os homens negros e por último as mulheres negras. “Nós temos uma sociedade patriarcal, machista misógina, mas se você é a mulher branca, você está acima do homem negro, porque o recorte de raça no Brasil determina acesso a direitos e acesso a poder.

IDS Opina – Manter a desigualdade é um projeto de país

Benilda aponta que a violência e a desigualdade recaem, principalmente em cima de um grupo com as mesmas características raciais, isso não é uma coincidência, isso é um projeto. Para ela O Brasil tem um projeto de manutenção de desigualdade. “Como é que a gente pode falar de democracia num país que invadiu o continente Africano, foi o país que mais sequestrou negros para serem escravizados”. Esse, segundo ela é um dos fatores da desigualdade renitente, o costume a uma mão de obra barata. Não de graça como era a mão de obra dos escravizados.

A Abolição não significou a redenção, mas a institucionalização de outra desigualdade. A Lei Aurea é de 1888, em 1891 a primeira Constituição do Brasil proibiu o voto de pobres, mendigos, indígenas e ex-escravizados. O desenho social, de acordo com Benilda sempre foi de negação a direitos.

“Em períodos em que governos comprometidos em ampliar os direitos dos mais pobres assumem, a democracia mostra suas fragilidades”, explica, referindo-se à interrupção democrática de 2016 e o período que veio depois, que representou retrocessos na política de educação, nas questões de saúde, na política de habitação. A discussão passou a ser construir presídios, conceder licença para minerar terras indígenas e criminalizar movimentos sociais, explica. E, para ela o cenário não se alterou nas eleições de 2024.

“Nestas eleições o eleitorado deu uma guinada conservadora, elegendo brancos e pessoas que são membros de dinastias de políticos”. Benilda aponta a total falta de apoio a campanhas de mulheres e negros, que já tinham direitos garantidos pelas políticas de cotas.  Isso representa a força do pacto da branquitude, explica. “Os filhos das elites brancas estudam nas melhores escolas e têm as melhores oportunidades, enquanto um jovem negro é morto a cada 23 minutos no Brasil”, diz. E conta a triste história de mães pretas que pedem aos filhos que nunca corram ou discutam ao serem abordados pela polícia, que tenham sempre em mãos os documentos de trabalho e escolar, mas mesmo assim são mortos ao colocar a mão no bolso para pegar o documento. “Foi em legitima defesa”, argumenta a polícia, “pensamos que fosse puxar uma arma”.

IDS Opina – Nem a educação respeita a lei

A lei 10.639, que fala da obrigatoriedade da história e cultura africana nos currículos já tem 20 anos.  7 a cada 10 secretarias municipais de educação no Brasil sete não conhece a lei. Como maioria da população o povo preto, quilombolas e indígena deveria ser, também, maioria dos professores, dos universitários, a maioria dos empresários, dos dentistas, dos médicos e assim por diante.  “Somos a maioria da população, a falta de democracia é um desenho muito bem arquitetado, histórico para congelar negros nesse lugar da pirâmide de desigualdade” pontua. E continua: “isso é muito bem desenhado nas políticas, no silenciamento, na ausência, na mão armada da polícia, e nos serviços públicos para o povo preto”.

(IDS Brasil)

* Benilda Brito –Pedagoga, mineira de Belo Horizonte, mestranda em Gestão Social na Universidade Federal da Bahia (UFBA), especializada em Psicopedagogia, Políticas Públicas e Direitos Humanos, militante do Movimento Negro, feminista, coordenadora do Programa de Direitos Humanos do ODARA – Instituto da Mulher Negra, e membro do Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres. Coordenou o Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte e mantém sua dedicação incansável na luta contra o racismo, a homofobia e todas as formas de preconceito e discriminação.

Parceiros