Água, petróleo e o futuro segundo Temer – Por João Paulo Capobianco

29/03/2018

Artigo publicado na edição de 23/03/2018 do jornal Folha de S. Paulo – goo.gl/fn3GpG

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Brasília está recebendo, até esta sexta-feira (23), o Fórum Mundial da Água. Milhares de participantes de todo o mundo estão reunidos para discutir um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade neste início do terceiro milênio: a gestão sustentável dos recursos hídricos.

Ainda não se conhece que propostas e posicionamentos o governo brasileiro apresentará no encontro, mas duas reportagens publicadas nesta Folha, com um intervalo de um ano, nos dão uma ideia do que podemos esperar. A primeira (10/8/16) trouxe o seguinte título: "Veto a incentivo trava novas obras de saneamento básico no Brasil". A segunda, mais recente (28/12/17), estampou: "Temer sanciona com vetos proposta que amplia incentivos a petrolíferas".

O texto de 2016 trata do veto de Temer, ainda como presidente interino, a artigo da Lei 13.329, aprovada pelo Senado no mesmo ano e proposta originalmente pelo senador José Serra (PSDB). Esse dispositivo legal permitiria o aumento de investimentos das empresas de saneamento, por meio do recebimento de créditos das contribuições do PIS/Pasep e da Cofins, por um período de cinco anos prorrogáveis.

A segunda revelou que Temer acabara de sancionar a Lei 13.586/17, que ampliou e estendeu por 23 anos a isenção de tributos de empresas que exploram petróleo no país. Aprovada pelo Congresso poucos dias antes do início do recesso, a lei permite que essas empresas reduzam significativamente, já a partir de 2018, os valores de impostos federais, incluindo o Imposto de Renda. A medida criou, também, um regime especial para importação de bens, entre outras benesses à atividade petrolífera.

Chama a atenção o fato de que esta —apelidada de Lei do Trilhão devido ao enorme impacto que gerará na arrecadação da União nas próximas décadas— foi uma proposta de autoria do próprio presidente Temer, por meio da Medida Provisória 795 de agosto de 2017. MP, aliás, enviada ao Senado exato um ano após ter vetado o incentivo aos investimentos em saneamento básico.

A justificativa do veto a uma lei que buscava minimizar o quadro degradante da saúde pública no país, onde 34 milhões de pessoas não recebem água tratada e 100 milhões estão sem acesso aos serviços de coleta e tratamento de esgoto, foi a perda de receita sem a indicação de outra fonte para compensação.

Já para a Lei do Trilhão, a justificativa que embasou a edição da MP e a sanção da lei foi o apoio à indústria petrolífera no Brasil, por meio do aumento da segurança jurídica e do incentivo aos investimentos.

Ocorre, no entanto, que se a lei de apoio à universalização do saneamento, ou seja, ao futuro, tivesse sido aprovada sem vetos, seu impacto na receita da União seria da ordem de R$ 2,5 bilhões por ano. Já a lei de apoio ao passado —a produção e estímulo ao uso de combustíveis fósseis— retirará muitas dezenas de bilhões anualmente do orçamento da União.

Os cálculos variam, mas a renúncia fiscal destinada a premiar as petroleiras é de uma dimensão tão espetacular que nem o próprio governo os apresenta oficialmente. Somente a possibilidade de um acordo judicial embasado em um dispositivo legal secundário da nova lei poderá levar a Petrobras a deixar de recolher cerca de R$ 21 bilhões aos cofres públicos ainda esse ano.

Esse valor seria suficiente para aumentar em dez vezes o que a União investiu em saneamento no ano de 2017. Isso, é claro, se o governo considerasse a boa gestão dos recursos hídricos um investimento relevante.

João Paulo R. Capobianco, biólogo, é presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). [email protected].

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