23/03/2017
A cada Dia Mundial da Água, comemorado anualmente em 22 de março, inúmeros estudos, análises e artigos circulam por todos os cantos do planeta na tentativa de pôr em pauta a maneira extremamente desfavorável como esse recurso natural absolutamente vital vem sendo tratado em quase todo o mundo. Para o cidadão paulistano que não se interessa muito por esse tema, aqui vai uma notícia importante: sua conta de água vai aumentar e, se não fizer nada, esse aumento não terá nenhuma relação com a melhoria dos serviços que atualmente recebe.
Está aberta a temporada de caça à nova tarifa. A Sabesp já preparou as justificativas para a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), responsável por aprová-la. Para tanto a agência seguirá o ritual previsto na Lei 11.445 de 2007, que estabelece a necessidade de realização de consultas públicas. A oportunidade para intervir nesse processo será no período de 27 de abril a 19 de maio.
Se tudo continuar como antes, quando não houve participação ativa dos paulistanos, será mais um processo meramente burocrático e o aumento será aprovado como esperam os gestores de plantão e os acionistas da maior empresa de saneamento da América do Sul.
Seria triste, para não dizer trágico, se isso ocorresse dessa maneira depois de São Paulo ter enfrentado a maior crise hídrica de sua história. No entanto, se a sociedade se mobilizar e participar ativamente do processo, talvez as coisas possam começar a mudar. E essas mudanças são urgentes.
A situação hídrica de nossa cidade é, no mínimo, lamentável. Depois de 44 anos de operação, a Sabesp ainda não conseguiu implementar as medidas necessárias sequer para atender à totalidade da população do Município com água de qualidade. Pior, patina na ampliação da coleta de esgoto e no tratamento do que coleta.
Depois da crise hídrica que pôs o paulistano frente a frente com o risco de colapso no abastecimento, a resposta não foi a aceleração na melhoria dos serviços. Ao contrário. Basta verificar como ficaram as metas da Sabesp para o Município de São Paulo. Em 2010, quando a companhia assinou seu primeiro contrato com os governos do Estado e do Município, previa universalizar o abastecimento de água e a coleta e o tratamento de esgoto até 2024, prazos já considerados, à época, muito longos. Entretanto, após a crise, as metas foram renegociadas e postergadas em cinco anos, passando para 2029.
Também foram adiadas as metas referentes ao tratamento terciário das estações de esgoto da Região Metropolitana de São Paulo. Essas instalações aumentariam a capacidade de reúso da água, atividade de grande importância, principalmente no contexto de escassez hídrica, que chegou para ficar. Agora, só em 2039 alcançaremos capacidade em níveis desejáveis de reutilização de água.
Some-se a tudo isso o desperdício da água tratada nas velhas tubulações da cidade. Os números são altos e não apresentam melhoras. Ao contrário, em 2016 o índice de perdas por vazamentos e ligações clandestinas avançou para 31,4%, ficando acima do verificado em 2015.
Esses números mostram que o aumento da eficiência, argumento utilizado para justificar o repasse da responsabilidade do saneamento para as empresas privadas, não vale para São Paulo. Seria o mesmo que uma concessionária de rodovia ficasse com toda a arrecadação do pedágio sem ter metas claras de manutenção e melhoria na via, ou pudesse adiá-las sem sofrer consequências. Ou será que parar de despejar mais de 300 milhões de litros de esgoto diariamente nos cursos hídricos da cidade de São Paulo é menos importante que tapar os buracos de uma estrada?
Moral da história, a crise hídrica e os cenários de piora no quadro climático não levaram os nossos gestores públicos a se mexer para ajustar seus procedimentos e planejamento a fim de melhorar o desempenho do sistema de saneamento básico em São Paulo. Contrariando a velha lei universal de que toda crise é uma oportunidade para melhorar, aqui, na Pauliceia, foi para piorar.
Mas os problemas não param por aí. Ao mesmo tempo que somos ineficientes na coleta e no tratamento de esgoto e na distribuição de água, somos absolutamente relapsos na proteção das fontes naturais desse precioso e finito recurso natural. A degradação dos mananciais hídricos resultante de invasões, desmatamentos, urbanização descontrolada e irregular, deposição de lixo a céu aberto e contaminação por poluentes avança diuturnamente. É importante frisar que não se trata de ilícitos em regiões longínquas do nosso país continental. Tudo está ocorrendo a poucos quilômetros do Palácio dos Bandeirantes e do gabinete do secretário do Meio Ambiente.
Estudo desenvolvido pelo Laboratório de Geoprocessamento da Escola Politécnica da USP em parceria com o Instituto Democracia e Sustentabilidade, identificou a necessidade de recuperação de 575 mil hectares de vegetação nativa nas áreas ambientalmente frágeis dos principais mananciais que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo. Se seguirmos no ritmo atual de degradação, esse número tende a crescer, tornando cada dia mais caros e complexos os investimentos necessários a garantir resiliência de nossas principais fontes de água.
Sempre que esses fatos reais e inquestionáveis são apresentados, as desculpas são as mesmas: falta de recursos e a dificuldade de atuar numa região complexa e caótica como a cidade de São Paulo.
Por mais que esses argumentos sejam compreensíveis, no entanto, nada pode justificar uma ineficiência que põe em risco diariamente o meio ambiente e a saúde de milhares de cidadãos. Os quais, aliás, só são lembrados nas campanhas de redução do consumo e na hora de pagar a conta. Conta essa que ainda pode aumentar nos próximos dias se nada fizermos para questionar.
JOÃO PAULO R. CAPOBIANCO É BIÓLOGO, PRESIDENTE DO INSTITUTO DEMOCRACIA ESUSTENTABILIDADE. E-MAIL: [email protected]
http://bit.ly/2ngv15S
Foto: Guilherme Checco/IDS
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