27/01/2017
Duas importantes iniciativas da Folha, uma reportagem ("Esgoto irregular vai de mansão no Morumbi à sede da Portuguesa", 28/12) e um editorial ("Prazo esgotado", 5/1), comentados por Jerson Kelman, presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), em artigo nesta seção ("Bem individual, mal coletivo", 12/1), deram destaque a questão importante que passa despercebida para a maioria dos paulistanos: a situação da coleta e tratamento do esgoto na maior e mais rica cidade brasileira.
Os textos trataram da situação de proprietários de imóveis que se recusam a providenciar a ligação à rede coletora de esgoto existente nos locais em que estão instalados.
Corretamente considerada uma posição absurda, esses indivíduos contribuem para a poluição e contaminação em vários pontos da cidade, criando um problema de saúde pública para todos que vivem ao redor.
Independentemente de qualquer justificativa que possa ser apresentada, essa é uma situação inaceitável que não poderia continuar a ocorrer impunemente.
A oportunidade de tratar de assunto tão relevante, no entanto, merece uma análise um pouco mais aprofundada. Da forma como foi abordado no artigo do presidente da Sabesp, o leitor pode ser levado a acreditar que a simples ligação dessas propriedades ao sistema de coleta seria suficiente para resolver o problema da poluição por esgoto e, por consequência, do risco à saúde pública na metrópole.
Infelizmente, por mais que esses cidadãos estejam agindo de forma condenável e mereçam punição, eles estão longe de ser os maiores culpados pelo problema da contaminação por esgoto em São Paulo.
Isso porque a grande maioria dos paulistanos fez a lição de casa e conectou seus imóveis à rede, mas parte significativa do material contaminante coletado apenas passeia pelos canos da Sabesp sem chegar a qualquer estação de tratamento, como seria esperado.
Dessa forma, a empresa que é paga para coletar e tratar o esgoto despeja diariamente mais de 450 milhões de litros desses resíduos sem qualquer cuidado no sistema hídrico da cidade, conforme atestam os dados de 2014 do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, disponibilizado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento do Ministério das Cidades.
Comparados com outras cidades do país que apresentam condições econômicas inferiores, os números de São Paulo são decepcionantes.
No ranking do saneamento das cem maiores cidades brasileiras, organizado pelo Instituto Trata Brasil, a capital paulista está na 43ª posição quando se considera a quantidade de esgoto tratado por água consumida, estando atrás de várias capitais, como Salvador, que trata 96,15%, ou Curitiba, com 89,71%, apenas para citar algumas. O mesmo se repete na perda na distribuição e no esforço para universalizar o acesso à água e coleta de esgoto.
O argumento apresentado pelo presidente da Sabesp de que a solução seria a fusão da tarifa de água e esgoto em única tarifa de saneamento não parece convencer, pois a empresa já é de longe a maior arrecadadora do país entre todas que atuam do setor e, mesmo assim, parece não sobrar recursos para fazer o que deveria: promover o "bem coletivo".
JOÃO PAULO CAPOBIANCO, biólogo, é presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade. Foi secretário nacional de Florestas e Biodiversidade e secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 (governo Lula)
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