22/07/2015
Por Guilherme Checco [1]
Nos debates atuais, não é raro deparar-se com o embate entre aqueles que consideram o desenvolvimento econômico e geração de lucro como única importância, enquanto que outros compreendem que o meio ambiente é intocável independente das necessidades sociais frente a um mundo capitalista. A economia verde vai reformular o modo de produção da economia tradicional, tendo como um de seus objetivos ser uma economia de baixo carbono. Algumas de suas características são: compreensão de que os recursos naturais são finitos, incentivo às práticas de reutilização, reciclagem e reuso e a busca por fontes de energia renováveis [2]. Portanto, o conceito de economia verde é consonante com a definição de desenvolvimento sustentável, uma vez que enxerga a possibilidade de gerar desenvolvimento socioeconômico a partir das riquezas naturais de forma sustentável, sem se estruturar sob práticas predatórias. “O caminho certo é viabilizar uma nova economia, que proporcione renda e emprego, aproveitando insumos regionais, finalidades que se harmonizam com o principio da floresta em pé” (MARCOVITCH, 2011, p. 39).
O modelo de economia verde coloca um desafio a ser enfrentado e, para que seu objetivo se concretize, muitos avanços devem ser planejados, desde questões culturais até capacidades tecnocientífícas. O padrão de desenvolvimento atual (“economia de fronteira” – BECKER, 2005), predominante na maioria dos países e empresas, possui uma tendência explicitada no Gráfico 1, na qual um aumento do IDH (renda per capita, saúde e educação) normalmente é acompanhado de um aumento da pegada ecológica[3]. Portanto, o desafio a ser enfrentado pela economia verde e pelo desenvolvimento sustentável é quebrar essa tendência e gerar desenvolvimento socioeconômico de maneira não predatória (visualmente no Gráfico 1, isso representaria avançar no eixo X, sem avanços consideráveis no eixo Y).
Gráfico 1: Pegada Ecológica X IDH
Fonte: www.footprintnetwork.org
A quebra desta tendência linear enfrenta dificuldades, sendo uma delas referente à capacidade tecnológica e científica que dispomos atualmente. Ou seja, a ciência tem de gerar possibilidades para que a economia verde seja competitiva em relação às atividades predatórias. Para que o modelo de produção sustentável seja competitivo em relação à economia tradicional, ele deve superar o desafio de conseguir gerar renda satisfatória tanto aos investidores quanto aos colaboradores das comunidades locais. A ciência, portanto, tem o desafio de conseguir gerar valor sobre as imensas potencialidades provindas da natureza, mas tendo como preocupações centrais sua sustentabilidade, sua capacidade regenerativa e a otimização de espaços e recursos.
Fica claro que a superação desse substancial desafio só será possível se houver significativos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Mais do que somente os investimentos, é necessária uma articulação entre Estado, setor privado e academia para que essa geração de conhecimento ganhe escala e consiga contribuir efetivamente para que haja o avanço do modelo de economia tradicional em direção à economia verde. Alguns importantes avanços nesse sentido colocam-se a partir de investimentos significativos na criação de centros de inovação regionais, remuneração atraente aos pesquisadores e cientistas, e segurança jurídica e institucional (novos procedimentos e normas ágeis) para que esses investimentos em inovação e pesquisa se concretizem e prosperem. As ações nessa direção por parte dos atores brasileiros ainda são muito escassas.
O governo da União criou, no final de 2008, mais de cem Institutos Nacionais de Ciência & Tecnologia em todo o país, aplicando uma verba total de R$550 milhões para pesquisas no próximo triênio. Isso é positivo, mas insuficiente. A Amazônia ganhou apenas nove unidades (…) (MARCOVITCH, 2001, p. 54).
Existem alguns centros de pesquisa que são considerados referências na Amazônia, como por exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Centro de Biotecnologia da Amazônia. No entanto, estes não conseguem suprir tamanha escala de demanda que uma região como a Amazônia gera.
Todos os atores envolvidos têm contribuições consideráveis para promover a economia verde: o setor privado com sua capacidade de investimentos, inovação e geração de riqueza compartilhada (lucro e benefícios sociais); a sociedade por seus padrões de consumo capazes de influenciar as decisões dos fabricantes e prestadores de serviços; a academia com seu ativo intelectual capaz de gerar novos conhecimentos e técnicas; e o Estado como principal articulador entre os diversos interesses, com poder fiscalizatório, propulsor da responsabilidade social e gerador de políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento sustentável (um bom exemplo é o Pagamento por Serviços Ambientais[4]). Nesse sentido, de aproximação e articulação entre os atores, Marcovitch (2001) propõe a criação de um órgão capaz de criar a arena para este desenvolvimento:
Estes acertos setoriais poderiam servir de modelo e ganhar maior amplitude na formação de um Conselho de Desenvolvimento Ambiental, que seria coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (…). Sua finalidade seria buscar um grande acordo nacional em torno de questões centrais de uma pauta dispersa, hoje, em audiência públicas e confrontos previsíveis entre ONGs, lobbies, governo, cientistas e empresários (MARCOVITCH, 2011, p. 101).
Para além da aproximação e articulação entre os atores, é imprescindível que haja uma mudança cultural de todos. Por conseguinte, a sociedade tem de transformar seus padrões de consumo, o setor privado tem de incorporar a sustentabilidade como estratégia central de seu modelo de negócio e o Estado deve prever esforços a fim de constituir um novo arranjo institucional que contribua positivamente para os avanços dessa agenda, incentivando a inovação, agilizando procedimentos, com mecanismos efetivos de fiscalização e incentivo positivo as práticas sustentáveis.
Vê-se, portanto, que ainda há diversos avanços necessários para aproximar a realidade brasileira (e mundial) de uma economia verde. No Brasil, a realidade ainda indica que estamos distantes de uma combinação ideal entre as variáveis até aqui expostas. Um exemplo significativo do estágio em que o país se encontra é o fato de que, durante o período colonial, a Amazônia foi fonte de produtos primários para exportação. Atualmente, essa condição permanece realidade. O mercado de madeira e de mineração representam indicativos da situação: a economia brasileira segue insistindo em exportar os produtos primários, e não desenvolve indústrias locais que tenham como insumo essas matérias-primas. A potencialidade é imensa, porém não é explorada de maneira adequada.
Na Amazônia brasileira, o setor madeireiro consumiu 24,5 milhões de metros cúbicos de madeira em tora em 2004 (Lentini et al. 2005). A região é a segunda maior produtora mundial de madeira tropical do mundo, atrás apenas da Indonésia (FAO 2005). A exploração madeireira é um dos principais usos da terra na Amazônia; o setor gera uma renda bruta anual de US$ 2,3 bilhões (Lentini et al. 2005). (IMAZON)[5].
Poder-se-ia investir na indústria madeireira sustentável, de maneira que não agrida o meio ambiente de forma permanente e que gere lucros aos investidores e riquezas às comunidades locais. Por que não investir na geração de biocombustível a partir da queima da celulose? Existe um vasto potencial inexplorado na Amazônia, a exemplo das possibilidades de geração de riquezas à partir das duas mil espécies medicinais usadas pela população local como medicamento, as 1250 espécies aromáticas produtoras de óleos essenciais [6], sem considerar a imensidão de oportunidades ainda desconhecidas.
Não obstante, existem algumas boas iniciativas, tais como a Zona Franca de Manaus (ZFM), que representa um polo local de geração de valor e inovação. Criada em 1967, a Zona Franca ainda possui diversas melhorias e adaptações a serem feitas, mas representa uma boa tentativa de geração de desenvolvimento socioeconômico local a partir da compreensão da natureza como aliada nesse processo. Atualmente, o polo industrial conta com 720 indústrias [7]. “Há problemas na Zona Franca, mas hoje ela é grande produtora não só de bens de consumo duráveis, como da indústria de duas rodas, de telefonia e mesmo de biotecnologia” (BECKER, 2005, p. 73). Apesar de representar uma inciativa positiva, a ZFM demonstra um dos erros ainda cometidos: políticas públicas desenhadas para localidades muito específicas, enquanto que não há nenhum movimento de se dissipar esse movimento de maneira uniforme sobre todo território amazônico.
Conforme Becker (2005) explica, o arco da macrorregião da Amazônia Ocidental (Imagem 1) representa a região mais preservada, uma vez que o povoamento foi pontual na região de Manaus (círculo negro próximo da região central do estado do Amazonas), enquanto que o restante da área não teve nenhum planejamento elaborado, pouco estudado, e que portanto representa um potencial de oportunidades ainda inexploradas.
Imagem 1: Macrorregiões da Amazônia Legal (2003)[8]
Fonte: Becker, 2005.
Para além dessa experiência provinda de uma ação do Estado, existem casos de sucesso na iniciativa privada, que conseguem gerar valor a partir da riqueza natural. Um destes exemplos é a Precious Woods Amazon/Mil Madeiras Preciosas (PWA), a qual tem seu modelo de negócio baseado no manejo florestal com impacto ambiental reduzido. Define sua atividade como “extração racional de madeira da floresta” e tem como missão “(…): a harmonia entre a conservação ambiental via manejo florestal na Amazônia e a melhoria de qualidade de vida das pessoas” (PRECIOUS WOODS apud MARCOVITCH, 2001, p. 181).
O caso dessa multinacional encaixa-se em um modelo muito semelhante ao conceito de economia verde e desenvolvimento sustentável aqui explorado, ao gerar riqueza a partir da exploração não predatória da natureza. Esse posicionamento acontece por meio de conhecimentos científicos muito claros a partir dosistema Celos de manejo florestal e com instituições nacionais e internacionais, como a Associação Vida Verde da Amazônia (Avive ), que faz a coleta de produtos florestais não madeireiros. A partir destes, a Precious Woods produz óleos vegetais e cosméticos naturais coma certificação internacional FSC (Forest Stewardship Council). Ademais, a empresa investe em projetos com a intenção de resultados a longo prazo, enfrenta as burocracias que o arranjo institucional ainda impõe e investe em ações de educação ambiental para conscientização do consumidor.
Portanto, vê-se que os desafios da economia verde e do desenvolvimento sustentável são diversos e de solução complexa , mas possíveis de serem alcançados. Discorreu-se aqui sobre alguns destes desafios, tais quais o desenvolvimento de capacidades científicas que integrem preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico, capacitação profissional para desenvolver modelos de negócios sustentáveis, mudança cultural e planejamento de longo prazo. A região amazônica representa um enorme potencial nesse modelo de desenvolvimento sustentável. No entanto, essa mudança de paradigma se construirá em um processo muito delicado e intensivo de construção com os diversos atores. “Mas a Amazônia passou 180 anos como colônia do Brasil, após 320 anos como colônia de Portugal, e vai precisar de mais tempo para alcançar um nível de desenvolvimento que possa aproveitar bem as oportunidades da região” (CLEMENT apud MARCOVITCH, 2011, p. 238).
Este artigo tem como objetivo apresentar parte das ideias expostas durante o segundo encontro do “Diálogos sobre a Amazônia na contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas”, desenvolvê-las e articulá-las com outras fontes de informações sobre o tema.
O projeto em questão ocorre no âmbito do acordo de cooperação técnico-científica firmado entre o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, em novembro de 2014. Nesse contexto, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) integra a parceria por meio do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e Sociedade.
Encontro sobre Economia Tradicional x Economia Verde na Amazônia – 11 de maio de 2015
Expositor:
Edson Vidal - professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais.
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados 19 (53). São Paulo, Edusp, 2005.
Global Footprint Network: www.footprintnetwork.org
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon): www.imazon.org.br
MARCOVITCH, Jaques. A gestão da Amazônia: ações empresarias, políticas públicas, estudos e propostas. São Paulo: Edusp, 2011.
Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br
Precious Woods: http://www.preciouswoods.com/
Segundo encontro do projeto “Diálogos sobre a Amazônia na contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas”, idealizado por IDS, IEE e IEA/USP. Prof. Edson Vidal, 11 de maio de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9isUJdM8rLI
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA): http://www.suframa.gov.br/
World Wide Fund for Nature (WWF): www.wwf.org.br
[1] Analista Junior de Conteúdo do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
[2] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2015/06/1637678-crise-energetica-faz-empresas-emitirem-mais-carbono-no-brasil.shtml
[3] “A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais” (WWF: http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/pegada_ecologica/o_que_e_pegada_ecologica/).
[4] Sobre Pagamentos por Serviços Ambientais na Amazônia Legal, ver:http://www.mma.gov.br/estruturas/168/_publicacao/168_publicacao17062009123349.pdf
[5] Disponível em: http://imazon.org.br/manejo-florestal-empresarial-na-amazonia-brasileira-restricoes-e-oportunidades-relatorio-sintese/
[6] Dados retirados da apresentação feita pelo Prof. Edson Vidal durante sua fala no “Diálogos sobre a Amazônia”, em 11 de maio de 2015.
[7] Fonte: Superintendência da Zona Franca de Manaus.
[8] As três macrorregiões são: Arco de Povoamento Adensado, Amazônia Central e Amazônia Ocidental.
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