Fronteiras da Amazônia: complexidade e oportunidades

23/07/2015

Por Guilherme Checco [1]

Na língua portuguesa, interpreta-se o conceito de fronteira de maneira limitada, tanto na cultura comum das pessoas quanto nas referências didáticas: “A parte de um país, região ou território que confina com outro; limite, extremo, fim; limite do território de um Estado e do exercício de um poder territorial” [2]. No entanto,  Hervé Thery, do Centre National de la Recherche Scientifique, alerta que é importante observar as possíveis interpretações desse conceito na língua inglesa: Boundaries Frontiers, durante  exposição no evento “Diálogos sobre a Amazônia na Contemporaneidade”[3]. Enquanto boundaryaproxima-se do entendimento de fronteira como limite, assim como encontrado no dicionário português, frontier [4]  remete à ideia de um território a ser conhecido, uma possível fronteira de expansão e transformação daquele espaço.

Partindo dessas duas compreensões possíveis a respeito do conceito de fronteiras, a Amazônia com toda sua expansão territorial e diversidade de oportunidades exploradas ou desconhecidas, pode ser interpretada tanto como limite territorial como fronteira de expansão por todos os países da qual faz parte. Nesse sentido, a tentativa nesse texto será de, explorar a situação atual da governança geopolítica dessa área, pontuar os desafios e oportunidades e discorrer sobre possibilidades de assegurar o desenvolvimento sustentável sob a ótica da cooperação.

 O fato de que o bioma amazônico esteja presente em nove países já representa um complicador nas negociações e na busca por consensos. É de conhecimento global que na Amazônia encontra-se a maior biodiversidade do planeta, no entanto é importante pontuar que, apesar de 62% estar em território brasileiro, as regiões com maior biodiversidade e potencial energético estão na Amazônia andina. Isso porque a Amazônia brasileira está localizada em planícies, enquanto que nos países andinos encontra-se em planaltos, geografia que contribui para o aumento da biodiversidade. Essa informação é importante para pontuar como todo o conjunto da região é importante, e como a complexidade deve ser transformada em oportunidades de cooperação: “(…) já não se trata mais de conquista e de satelitização, mas de cooperação transfronteiriça e de integração continental” (Hervé, 2005, p. 45).

Imagem 1: Países da Amazônia


Fonte: Portal da Amazônia

 

Imagem 2: Tríplice fronteira amazônica (Tabatinga-Brasil, Letícia-Colômbia e Santa Rosa-Peru)


Fonte: Confins Revues. Nº 21, 2014.

As imagens oferecem boa noção visual da complexidade do território amazônico. A partir do exemplo da cidade brasileira de Tabatinga, no estado do Amazonas, nota-se que as referências de espaço e distância são idiossincráticas, uma vez que a distância entre a cidade e a capital Manaus é maior do que com relação à capital do país vizinho (Bogotá, Colômbia) e de uma cidade grande como Iquitos, no Peru. É necessário considerar as oportunidades de cooperação desse território, as quais os governos nacionais devem encontrar a melhor maneira de explorá-la. Ainda com o auxílio da Imagem 2, pode-se ter melhor compreensão das distâncias. Enquanto que os países vizinhos são compreendidos por muitos brasileiros como geograficamente e culturalmente distantes, para os habitantes de Tabatinga a realidade é diferente, uma vez que encontram maior proximidade com a capital da Colômbia do que com relação à capital de seu próprio estado. Uma compreensão mais clara dessa distribuição territorial poderia auxiliar no processo de construção de oportunidades, cooperação e maior e melhor fluidez territorial, e não de barreiras, bloqueios e desconfiança.

Uma tentativa nesse sentido foi a construção da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), fundada em 1995, da qual fazem parte todos os países amazônicos, com a exceção da Guiana Francesa. Essa instituição surge a partir do objetivo de implementar os objetivos postos no Tratado de Cooperação Amazônica, firmado em 1978, tais como a preservação do meio ambiente e uso racional dos recursos naturais.

Atualmente, estão em execução mais de 20 iniciativas, projetos e programas, em áreas como meio ambiente, assuntos indígenas, ciência e tecnologia, saúde, turismo e inclusão social. Entre eles, destaca-se o Projeto Monitoramento da Cobertura Florestal na Região Amazônica, executado desde meados de 2011, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE). O objetivo do Projeto é contribuir para o desenvolvimento regional da capacidade de monitoramento da Floresta Amazônica, por meio de instalação de salas de observação nos países-membros e de capacitação e intercâmbio de experiências em sistemas de monitoramento. As atividades planejadas para o período 2013-2017 contam com financiamento do Fundo Amazônia/BNDES, no valor de R$ 23 milhões (Itamaraty).

Nota-se, portanto, que mesmo em arranjos institucionais que têm em seu escopo a cooperação como missão, uma das maneiras pelas quais ela se desenvolve é pela via do monitoramento, e não pela via da construção de possibilidades de desenvolvimento sustentável da região. Atualmente, as regiões fronteiriças da Amazônia são gerenciadas pelos respectivos Estados-Nação pela via do policiamento, como regiões de perigo (boundary). Segundo a leitura de Marcovitch (2011), a estratégia deveria se constituir a partir da compreensão dessas regiões como oportunidades de cooperação com os países vizinhos e integração regional. Ou seja, o foco maior deve estar nas ações preventivas, de geração de oportunidade, e não de comando e controle. De certa maneira, apesar da importância do monitoramento, os maiores esforços do governo brasileiro enquadram-se sob essa perspectiva.  Um dos exemplos dessa estratégia é o altíssimo investimento no Sistema de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON). O sistema completo do SISFRON é avaliado em R$ 11,9 bilhões[5] que, apesar de sua importância relativa, acaba por ser o reflexo de um planejamento não adequado para o desenvolvimento destas áreas. O SISFRON desenvolve importante função no que se refere ao monitoramento das fronteiras brasileiras, as quais enfrentam diversas dificuldades. O desafio colocado é a necessidade de pensar em ações que possam estimular o desenvolvimento socioeconômico dessas regiões, a fim de diminuir as necessidades de monitoramento das Forças Armadas e Policiais.

Marcovitch afirma que os investimentos  por parte do poder público e privado, a fim de gerar oportunidades de desenvolvimento da Amazônia, devam se concentrar principalmente em Ciência e Inovação.

A melhor destinação para os aportes previstos é o investimento em ciência e tecnologia, com o incentivo paralelo a indústrias capazes de traduzir a biodiversidade em riqueza (…) O caminho certo é viabilizar uma nova economia, que proporcione renda e emprego, aproveitando insumos regionais, finalidades que se harmonizam com o principio da floresta em pé. (Marcovitch, 2011, p. 39).

Nesse sentido, nem todas as iniciativas e esforços delimitam-se a ações de monitoramento, como, por exemplo, o trabalho do Sebrae no âmbito de desenvolver atividades de capacitação e qualificação profissional de indígenas na região da tríplice fronteira[6].

A Amazônia é o perfeito exemplo da inadiável necessidade de se avançar na agenda da governança da sustentabilidade (DA VEIGA, 2013). Seja pelo nível continental/regional, limitando-se aos países integrantes da bacia, ou a nível global, pela importância ecossistêmica do bioma. “A nossa gigantesca floresta tropical é de importância decisiva para a regulação do clima, favorecendo a agricultura em todo o planeta.” (Marcovitch, 2011, p. 40). Infelizmente, o cenário atual, em todos os níveis (global, continental, nacional, local), é de uma “desgovernança” assustadora (DA VEIGA, 2013). A realidade relaciona-se com ganhos econômicos provindos de atividades predatórias e/ou de um desenvolvimento social muito aquém das potencialidades da região.

Com quase setenta anos de governança global do desenvolvimento gravemente desconectada de preocupações com a biosfera (capítulo 1), e quarenta anos de governança ambiental global bastante prejudicada por tal incongruência (capítulo 2), é como se ainda não tivesse saído do papel o belo projeto de desenvolvimento sustentável consagrado na Rio-92" (DA VEIGA, 2013, p. 79).

Nesse contexto da governança global da sustentabilidade, no qual a Amazônia necessariamente deve se inserir, surge de tempos em tempos o debate acerca da internacionalização da Amazônia. Pontua-se aqui uma reflexão de alguns pensadores da região, assim como exposto por Hervé Théry em sua aula. O questionamento baseia-se em considerar duas possíveis interpretações a respeito da internacionalização da Amazônia: a primeira entende que existem reais e legítimas preocupações do sistema internacional frente à qualidade de governança do bioma pelos países na qual se insere; a segunda interpretação levanta a hipótese de que essa retórica de internacionalização é construída e alimentada por grupos internos que vislumbram ganhos privados com este processo, portanto, enquadram-se como uma ameaça interna.

Por conseguinte, nota-se que, de fato, a região amazônica representa uma complexidade geopolítica de difícil, mas possível, gerenciamento.

 

(…) cabe situar a questão no plano geopolítico, indo na mesma trilha seguida por Bertha Becker. Ela percebeu, com grande clarividência, três níveis básicos de conflitos. O primeiro tendo como destaque a saúde do planeta, de natureza global; o seguinte, no âmbito dos estados nacionais da Amazônia, centrando-se no desenvolvimento de cada um deles; e, finalmente, aqueles conflitos relacionados com a urgente inserção social dos milhões de indivíduos que habitam a região (Marcovitch, 2011, p. 83).

Ao mesmo tempo, a vastidão do território amazônico representa um conjunto de oportunidades ainda desconhecidas ou inexploradas.

A Amazônia brasileira representa atualmente uma das únicas fronteiras de expansão e migração de nosso território (Hervé, 2005). Dessa forma, o desafio a ser enfrentado é decidir se queremos uma via de exploração pautada no planejamento sustentável, ou então uma via não planejada e que, consequentemente, gerará movimentos predatórios incontroláveis. Se a agenda da sustentabilidade for central nesse processo, uma possível consequência será “a Amazônia tornar-se centro do continente, em ver de ser periferia dos países” (Hervé, 2005, p. 46).

Contexto

Este artigo tem como objetivo apresentar parte das ideias expostas durante o terceiro encontro do “Diálogos sobre a Amazônia na contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas”, desenvolvê-las e articulá-las com outras fontes de informações sobre o tema.

O projeto em questão ocorre no âmbito do acordo de cooperação técnico-científica firmado entre o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, em novembro de 2014. Nesse contexto, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) integra a parceria por meio do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Territorialidade e Sociedade.

Encontro sobre Fronteiras da Amazônia  –  25  de maio de 2015

Expositor:

Hervé Théry –  pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique, professor visitante da USP e pesquisador convidado da Universidade de Brasília (CDS). 

Assista ao vídeo na íntegra:

 

Confira vídeos, textos e fotos dos outros encontros do "Diálogos sobre a Amazônia na Contemporaneidade"

Referências

BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados 19 (53). São Paulo: Edusp, 2005.

DA VEIGA, José Eli. A desgovernança mundial da sustentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2013.

Dicionário Larousse Cultura

Dictionary.com

EUZEBIO, Emerson Flávio. A fluidez territorial na fronteira ocidental da Amazônia: as cidades gêmeas Tabatinga (Brasil) e Leticia (Colômbia) IN CONFINS REVUE, 2014.

MARCOVITCH, Jaques. A gestão da Amazônia: ações empresarias, políticas públicas, estudos e propostas. São Paulo: Edusp, 2011.

Ministério das Relações Exteriores: www.itamaraty.gov.br

Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br

Portal Amazônia: www.portalamazonia.com.br

Terceiro encontro do projeto “Diálogos sobre a Amazônia na contemporaneidade: ateliê de ideias e propostas”, idealizado por IDS, IEE e IEA/USP. Prof. Hervé Therry, 25 de maio de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G4lCEUz1wTY

THERY, Hervé. Situações da Amazônia no Brasil e no continente. Estudos Avançados 19 (53). São Paulo: Edusp, 2005.

Valor Econômico

 


[1] Analista Junior de Conteúdo do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

[2] Larrouse Cultural. Dicionário da Língua Portuguesa. Edição de 1992.

[3] Durante o terceiro encontro do projeto “Diálogos Sobre a Amazônia na Contemporaneidade: Ateliê de Ideias e Propostas”, desenvolvido a partir do acordo de cooperação técnico-cientifica entre IDS e IEE/USP.

[4] “an outer limit in a field of endeavor, especially one in which the opportunities for research and development have not been exploited” (Dictionary.com)

[5] Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/3677630/corte-de-verbas-afeta-7-projetos-do-exercito

[6] Disponível em: http://portalamazonia.com/noticias-detalhe/economia/acoes-de-empreendedorismo-na-triplice-fronteira-capacitam-indigenas/?cHash=144e9029271164c79071f6ad23c74ead

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