A construção do novo paradigma energético global

16/09/2015

O caminho rumo à 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, em Paris, tem gerado grandes expectativas. E, ao menos no que se refere à energia, tais expectativas tem fundamentos sólidos. A queima de combustíveis fósseis somente para geração de eletricidade e transporte responde, atualmente, por mais de 50% das emissões globais de gases de efeito estufa. Portanto, qualquer estratégia crível e efetiva para redução das emissões a nível global deve passar por uma ação consistente neste setor.

Alguns governos têm dado sinalizações importantes a respeito do setor energético. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou recentemente o America’s Clean Power Planum ambicioso plano de redução de 32% das emissões do setor de energia até 2030, a despeito das críticas da oposição no congresso e do lobbying de algumas grandes geradoras de energia a partir de petróleo e carvão mineral. A China, por sua vez, já apresentou sua Contribuição Nacionalmente Determinada, chamada de  INDC (Intended Nationally Determined Contribution) que será levada a Paris, contemplando um aumento de participação de 20% das energias renováveis em sua matriz primária também até 2030. A Alemanha já incentiva a energia renovável há tempos como forma de substituição a outras fontes que foram gradualmente desativadas, sobretudo a nuclear. Outros países da Europa Ocidental, que já haviam se comprometido com metas no âmbito do Protocolo de Quioto, também já possuem um processo mais maduro para incentivo das fontes renováveis, melhorando a viabilidade das fontes solar e eólica, bem como implantando novas fontes, como a energia maremotriz [2].

O processo de construção do novo paradigma

O movimento de construção de uma matriz energética global renovável já é realidade e mostra-se irreversível. Porém, o ritmo em que está ocorrendo é insuficiente para limitar o aumento de temperatura do planeta em até 2 ºC em relação aos níveis pré-industriais, sugeridos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) como limite para evitar que o impacto das mudanças climáticas seja abrupto e irreversível. O Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) fez um cálculo prévio a partir das INDCs divulgadas até 28 de agosto por 56 países. O cálculo indica que, mesmo com a implantação de todas as metas e ações já divulgadas, que incluem metas relacionadas às energias renováveis, o nível das emissões globais ainda seria o dobro do que é indicado pelo IPCC.

Ainda assim, há pelo menos dois fatos novos, potencialmente conectados entre si, que podem contribuir positivamente neste processo: esclarecimento ético-moral dos impactos da atividade humana no meio ambiente e novas oportunidades financeiro-econômicas.

Primeiramente, nota-se um apelo crescente pela ação a partir de reflexões morais e éticas. Um conceito importante que emerge neste sentido é a “ética do Antropoceno”, que traz consigo o entendimento de que as ações dos seres humanos geraram, e continuam a gerar, impactos significantes e irreversíveis na estrutura geológica da Terra [3]. Até pouco tempo atrás, as discussões internacionais sobre o papel de cada Estado e do setor privado na redução das emissões centravam-se, quase que exclusivamente, em questões econômicas e históricas. Um grande exemplo é a não adesão dos Estados Unidos ao Protocolo de Quioto. Por outro lado, existem manifestações como a Encíclica Papal “Laudato Si”, lançada em maio de 2015 [4], e os discursos do presidente Obama que colocam os Estados Unidos como responsáveis morais pela liderança na transição a uma economia verde, indicam para uma retomada de valores até então fora das negociações.

O segundo ponto é a mudança na visão estratégica de empresas em relação às oportunidades no setor das energias renováveis. Sem dúvida, uma parte deste movimento decorre da queda do preço do petróleo no mercado internacional, que por sua vez foi impactado pela diminuição na atividade econômica e pela revolução do gás de xisto em países tradicionalmente grandes consumidores de petróleo, como os Estados Unidos. Em um cenário de preços reduzidos, projetos como o pré-sal no Brasil e outros ao redor do mundo, cuja viabilidade de extração dependem de um preço elevado da commodity, perdem sua razão econômica.

No entanto, o momento atual se diferencia de outros cenários de volatilidade do preço do petróleo por uma questão central: a acentuada redução do custo de produção das fontes concorrentes diretas em muitos de seus usos. Um cenário de preços continuamente elevados do petróleo torna-se, portanto, cada vez mais distante. E essa perspectiva, aliada às questões ético-climáticas, retroalimenta os investimentos em energias renováveis.

 “À medida que mais e mais investidores percebem que investir em empresas de carvão, petróleo e gás natural não coaduna nem com sua filosofia e tampouco é economicamente promissor, a atual onda de desinvestimento provavelmente continuará” (BROWN et al., 2015, p. 17)[5].

Qual o posicionamento do Brasil neste contexto?

Sob a ótica internacional, o ultimo fato marcante do País foi o encontro com a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, em 20 de agosto. Acompanhando o mesmo movimento do grupo de países do G7 (em junho deste ano), a Presidente Dilma Rousseff firmou compromisso de “descarbonizar” a economia brasileira até 2100. Tal anúncio implica, naturalmente, em uma matriz energética com forte presença de fontes renováveis, que diminuiria drasticamente as emissões de gases de efeito estufa (GEEs)[6]. O Governo brasileiro já havia anunciado, em encontro com Barack Obama em junho deste ano, garantia de pelo menos 20% da matriz elétrica centrada em energias renováveis, além da hidroeletricidade, até 2030. Em relação à matriz energética como um todo, os planos são de 28% a 33% do total, sobretudo pela participação dos biocombustíveis[10].

Presidentes Dilma Rousseff e Angela Merkel.  Agência Lusa  Agência Brasil CC BY

Ao primeiro olhar pode-se interpretar  o anúncio com um viés muito positivo. Se cumpridas, sobretudo as metas relacionadas às matrizes energética e elétrica, representariam uma avanço relevante no combate às mudanças climáticas, e em relativo curto espaço de tempo.

Porém, uma análise um pouco mais ampla indica notável incoerência nas palavras e ações do governo brasileiro. Poucos dias antes do encontro com Merkel (e após o encontro com Obama), Dilma anunciou o “Programa de Investimento em Energia Elétrica – PIEE” [7], que disponibiliza um pacote de investimentos de R$116 bilhões em geração e R$70 bilhões em transmissão de energia elétrica até 2018. Não obstante projeções de alguns investimentos em energia solar fotovoltaica e eólica, a mobilização mostra-se muito tímida quando comparada às tendências globais e ao discurso da presidente no encontro com a chanceler alemã.

Dentre os empreendimentos de geração de energia a contratar entre 2015 e 2018, 11 GW de potência instalada estão concentrados em grandes usinas hidrelétricas, sobretudo na Região Amazônica, com grandes impactos socioambientais. Entre 3 GW e 5GW advêm de empreendimentos de energia térmica baseada em combustíveis fósseis. Dentre as fontes limpas: 2GW a 3GW serão gerados por fonte solar; 4GW a 6GW por fonte eólica; e 4GW a 5GW oriundos de fonte térmica à biomassa. É pouco para um país que quer mudar um paradigma de desenvolvimento.[8]

 “Ao contrário do carvão e petróleo, a quantidade de energia solar e eólica consumida hoje não reduz a quantidade disponível amanhã” (BROWNet al., 2015, p. 7)[9].

É fundamental, portanto, que o Governo Federal dê sinalizações consistentes do modelo energético que o Brasil do século 21 está buscando, e que estas indicações resultem em ações coerentes, articuladas e estruturadas. O cenário é propício. O país tem registrado alguns avanços institucionais, como o Convênio ICMS nº 16/2015 editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (ConFaz), corrigindo a barreira tarifária que desincentivava a mini e microgeração distribuídaInvestidores têm interesse crescente neste mercado também no Brasil. Mas não é suficiente. É preciso dar a segurança de que estas iniciativas estão alinhadas com uma política energética estável de longo prazo, que seja um dos eixos de uma visão estratégica de país. Nesse sentido, há certa expectativa em relação ao anúncio da INDC brasileira, prevista para ser divulgada ao final de setembro durante reunião na ONU.

Plataforma IDS trata diretamente deste tema, tendo como uma de suas Propostas de Prioridade Máxima uma “Política energética sustentável, eficiente e diversificada”. A construção de um país democrático e sustentável passa por uma matriz energética fundamentada na diversificação de fontes renováveis, que garanta segurança energética e que diminua as emissões de GEEs.

Confira os conteúdos da Plataforma sobre o tema Energia Limpa, acessando aos vídeos e textos da Roda de Conversa sobre Energia Limpa.

 

Referências:

BROWN, Lester R. et al. The Great Transiton: Shifting From Fossil Fuels to Solar and Wind Energy. Norton: 2015.

 

*Texto de Fábio Almeida e Guilherme Checco [10]; Edição de Juliana Cibim e Daniela Ades [11]

 


[1] Tradução dos autores. Trecho original: “Government policies are still an important component of the energy transition”

[2] Geração de energia por meio do movimento das marés.

[3] Ver mais em: http://ricardoabramovay.com/a-emergencia-da-etica-do-antropoceno/

[4] Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html

[5] Tradução dos autores. Trecho original: “As more and more investors realize that investing in coal, oil and natural gas companies is neither consistent with their philosophy nor economically promising, the current wave of divestment is likely to continue”

[6] Uma consideração feita pela própria Presidente durante o citado anúncio é de que o compromisso de descarbonização não integra o INDC a ser apresentado pelo Brasil na COP-Paris.

[7] Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/noticias/programa-de-investimentos-em-energia-eletrica-tera-r-186-bilhoes-ate-2018

[8] Consultar em: http://investimentos.mdic.gov.br/public/arquivo/arq1439399491.pdf

[9] Tradução dos autores. Trecho original: “In contrast to coal and oil, the amount of solar and wind energy consumed today does not reduce the amount available tomorrow

[10] Coordenador e Analista de Conteúdo do IDS.

[11] Coordenadora e Analista de Comunicação do IDS.

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