Produção e proteção têm de andar juntas no Novo Código Florestal, afirma Gustavo Junqueira, da SRB

29/06/2015

Por Daniela Ades*

 A promulgação do Novo Código Florestal no Brasil, em 2012, trouxe o desafio de sistematizar informações sobre todas as propriedades rurais do país para que se conheça de forma mais detalhada o uso e ocupação do solo no meio rural brasileiro, com foco nas áreas prioritárias de preservação. Novos mecanismos do Código, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), propõem um verdadeiro raio-x do território, a fim de garantir os tamanhos das áreas destinadas para produção e proteção, além de fiscalizar aqueles que descumprem os limites e desmatam de forma ilegal.

O prazo original para o cadastramento no CAR era o dia 5 de maio deste ano. Porém, a data limite teve de ser prorrogada para maio de 2016, uma vez que o número de propriedades cadastradas ainda é baixo: até o momento, 53,5% da área total já foram cadastrados (213 milhões de hectares) diante de um universo de aproximadamente 397,5 milhões de hectares em todo o país, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente. Ou seja, pouco mais da metade da meta foi cumprida, ficando o saldo pendente para registro dentro do período de um ano. 

Para auxiliar os produtores rurais no cadastramento no CAR, a Sociedade Rural Brasileira (SRB), em parceria com a Bolsa de Valores Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio), lançou o Portal de Regularização Ambiental, no início de junho. A iniciativa oferece assistência técnica para a análise da propriedade de acordo com a nova legislação e para preenchimento do formulário do SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural). Para Gustavo Diniz Junqueira, presidente da SRB, com a aprovação da nova legislação há uma mudança na dinâmica entre ruralistas e ambientalistas. Agora, em sua opinião, os dois principais agentes nessa discussão ambiental, antes em conflito, passam a trabalhar pelo mesmo objetivo: de fato implantar o Código Florestal. “Esse trabalho levou tempo, porque ainda há muitos ambientalistas e ruralistas em discussões que, em nossa opinião, são discussões ultrapassadas, de posicionamento”, afirma Junqueira, em entrevista ao IDS, na sede da Sociedade Rural Brasileira, no centro de São Paulo. “O posicionamento é o Código Florestal”, diz ele. 

Esta intenção também está refletida nas propostas da recém-lançada Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agriculturada qual a SRB faz parte, e que reiteram a necessidade da efetiva implementação do Código Florestal para uma agropecuária de baixo carbono. Os desafios para isso passam pela burocracia e pela dimensão continental do território brasileiro, porém ferramentas como o CAR são essenciais para o planejamento efetivo do país a longo prazo, defende Junqueira na entrevista.

Confira os principais trechos da entrevista com Gustavo Diniz Junqueira:
 

IDS:  Qual é a proposta do Portal de Regularização ambiental? De que forma ele ajudará no cadastramento das propriedades?

Gustavo Diniz Junqueira: Faz três anos que nós tivemos o Código aprovado, no último ano é que de fato as pessoas começaram a tentar entender a questão do cadastramento ambiental rural. O Governo atrasou muito, seja no âmbito federal quanto no âmbito estadual, para lançar o CAR em si, para aprovar os PRAs [Programas de Regularização Ambiental], para aprovar a legislação suplementar, então todo mundo ficou muito perdido com isso. E nos últimos seis meses, com os softwares e a dinâmica implantada relativamente bem no país, é que os proprietários começaram a se cadastrar. E a gente veio numa crescente. Temos batido muito firme que o proprietário tem que estar cadastrado para que tenha a maior transparência possível dentro da sua propriedade e possa, a partir daí, geri-la melhor. E a gente vinha trabalhando, tanto com o Ministério do Meio Ambiente quanto com várias organizações, entre elas a BVRio, para que aumentasse o número de propriedades. E nós estávamos com esse site praticamente pronto para lançar há uns dois, três meses e aí veio a questão do “se prorroga ou não”, e nossa percepção é de que seria prorrogado. Mas a prorrogação terá um lado prático, porque realmente as propriedades não foram todas cadastradas, e como tem o interesse de que sejam e não é uma questão de punir ninguém, vai ser prorrogado. (…) Com isso vai vir o lado ruim, porque as pessoas estão sempre pressionadas quando o prazo está terminando. No momento que termina ou prorroga o prazo, ganha-se mais tempo e as pessoas relaxam. E foi o que aconteceu. Você vinha em uma crescente de cadastros e quando foi anunciada [a prorrogação] isso completamente zerou e as pessoas pararam de se cadastrar. A gente percebeu isso e falou: vamos fazer eventos logo que vier a prorrogação e lançar esse portal depois, para que continue fazendo barulho e as pessoas voltem a se interessar pelo tema. E é o que estamos fazendo. O Portal foi lançado agora [no dia 2 de junho] e começam a chegar esses proprietários buscando entender o que ele precisa fazer e como…
A gente ajuda a entender o que é o CAR, a fazer o preenchimento e transfere para ele esse documento, porque aí a responsabilidade dele é fazer o upload das informações…
E o que a gente busca fazer com esse Portal é trazer mais segurança, tranquilidade e confiança para o proprietário, e que a Rural está ajudando eles a fazerem isso, então tem essa questão da confiança. É um produto que tentamos fazer o mais barato possível, para que possa acessar muita gente, para que seja fácil, e ele foi homologado pelo MMA, então você consegue fazer a grande maioria das propriedades via online, por telefone ou computador.

IDS:  Quais são, na sua visão, os principais entraves para a ampliação do CAR?

GDJ: Acho que estamos nos impondo um desafio bastante grande em um país que é burocrático, cartorizado… nós temos muitos problemas fundiários e financeiros… se você pensar nessas 5 milhões de propriedades rurais que o Brasil tem, há regiões do Brasil com três andares de títulos em uma mesma propriedade. Então, tem que resolver a questão fundiária, porque você é dono, eu sou dono, tem um terceiro dono, então isso cria mais dificuldades. Tem a questão de ser um país de dimensões continentais, tem uma burocracia e uma organização que não estão equalizadas no país todo, tem uma legislação que é bastante complexa do que precisa, é muito técnica, muito cheio de vírgula e detalhes, que o cidadão comum demora para entender e, muitas vezes, não entende. Tudo isso leva a uma desconfiança muito grande, porque nesse embate se colocou em lados opostos o ambientalismo, a proteção e a produção. O que na verdade não é isso. É produção e proteção. Dá para andar junto, mas você tem que mudar. Então as pessoas estão muito arredias ainda para fazer isso e tem um custo. Tem o custo de regularizar a sua propriedade e a gente ainda não parou para pensar como nós vamos financiar esse Código, a implantação dele, o que eu acho que talvez seja um dos grandes desafios que temos.
 

IDS:  Quais os incentivos necessários para estimular o reflorestamento e gestão ambiental das propriedades que não estão adequadas segundo a lei?

GDJ: Como eu falei, nós nos impusemos, sociedade brasileira, um Código que, na minha opinião, é moderno e dá a dinâmica da produção e da proteção. Você tem aí o Brasil numa situação em que ele é o único país do mundo que pega uma parte do seu patrimônio e separa para a proteção ambiental. Ou seja, nas regiões Sul e Centro-Sul, 20% do seu patrimônio vai ser deixado como reserva, e nas regiões do Norte, de 50 a 80%. Nós estamos nos impondo um investimento muito grande. Agora, como a gente vai pagar essa conta? A gente vai ter que ser reconhecido nos mercados, brasileiros e mundiais, de que nós temos o agro mais sustentável do mundo. Se nós não fizermos o trabalho conjunto –  ambientalistas, produtores, indústria, governo – e mostrar para o mundo que a gente montou uma estrutura na qual estamos produzindo de maneira muito mais sustentável, e isso ter um preço e um valor para o consumidor, vai ser difícil pagar essa conta, porque vamos começar a perder competitividade. (…) Temos que, agora, começar a negociar com o bloco para falar: o mundo precisa ser igual ao Brasil, porque senão a gente vai ficar para trás. 

 

IDS:  Entendendo que a meta de cadastros seja plenamente alcançada, o CAR será uma ferramenta de gestão para evitar o desmatamento e garantir a segurança hídrica? Como explicar o caso do Mato Grosso, por exemplo, que ao mesmo tempo tem a maior área cadastrada no CAR e também registra os maiores índices de desmatamento?

GDJ: Temos que voltar à questão de que o Brasil é um país muito heterogêneo, então vamos começar pelo Mato Grosso. Por que ele conseguiu fazer o maior volume de cadastramentos? Porque você tem grandes produtores, produtores eficientes, ligados no mercado e que precisam disso como ferramenta de venda do seu produto e de acesso a crédito. Então, entendem que aquilo faz parte do modelo de negócios, e saíram na frente e fizeram. O maior patrimônio deles está ali, é a terra. Ou seja, não vão deixar uma questão “pequena”, que é o CAR, interferir no grande negócio, então vão fazer. Por outro lado, tem uma parte do Mato Grosso muito próxima da Floresta Amazônica, e há outros interesses, que são interesses de madeireiros, de mineradores, muita questão de sem terra, de grilagem e isso é um problema. Hoje o maior volume de desmatamento no Brasil é de pequenas propriedades que estão sendo griladas. E isso você não vai pegar no CAR. Porque esse é um problema que tem que ser tratado em outro âmbito que não o de negócio. Então esse cara fazer o CAR, às vezes o desmatamento está acontecendo e nem é a propriedade do sujeito, é uma devastação de fato. Então, a gente tem que trabalhar em conjunto de novo, produtores eficientes, regularizados, com ambientalistas e com governo para a gente ver onde está o problema. E, de fato, quem está fazendo uma gestão ambiental à margem da lei, tem outro endereço que não é nem a função nossa aqui como entidade e nem como ambientalista.

(…) A minha convicção é de que vamos fazer o CAR. Grande parte do Brasil vai ter pronto, mas como tudo no país, vai ficar um pedaço para trás, que são partes da sociedade que você não consegue explicar, convencer, acessar… Isso fica perdido, mas o grosso do Brasil vai ter o CAR implantado, eu acredito que até a data do ano que vem vai estar em grande parte implantado.

Qual a minha visão? Isso é muito mais que uma ferramenta para controlar só o desmatamento, para você ter uma visão sob a ótica apenas ambiental da propriedade. Isso é um instrumento para você fazer política agrícola, planejamento de desenvolvimento regional, para organizar infraestrutura e de fato conseguir pensar o Brasil no longo prazo. Se você não conhece a região, se não sabe o que está produzindo, o que precisa preservar, onde estão os seus rios, a sua demanda de água, onde estão localizadas as indústrias, as cidades, onde as estradas estão passando, é quase surreal falar que vamos ter um planejamento. Então o CAR, dado o momento da história que estamos, século 21, com muitos instrumentos tecnológicos e ferramentas de satélite e monitoramento, acho que agora começamos a ter uma visão muito mais nacional do Brasil, muito mais integrada do que jamais tivemos. E nós temos que ter a ambição e a perseverança de fazer a implantação do Código, mas ao mesmo tempo a serenidade e a paciência para entender que esse é um projeto de nação e de longo prazo. 

 

*Daniela Ades é Analista de Comunicação do IDS.

 

 

 

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