02/09/2020
Coletivo de 51 organizações e redes da sociedade civil mostra em novo relatório que todos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão ameaçados, agravando as crises social, econômica e ambiental
Sintomas agudos da pandemia da Covid-19, como o colapso do sistema de saúde; o aumento do desemprego, da pobreza extrema e da fome; além de muitos problemas ambientais, poderiam ter sido amenizados se o Brasil estivesse cumprindo os compromissos firmados em 2015, quando assinou junto com 192 países-membros da ONU, o acordo que definiu a Agenda 2030. É o que alertam, em novo relatório, 105 especialistas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o GT Agenda 2030, coalizão formada por 51 organizações e redes que monitoram a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em território brasileiro, em suas áreas social, econômica e ambiental.
O IV Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, lançado nacional e internacionalmente no último dia 31/07, analisa 145 das 169 metas da Agenda 2030, sendo que 17 metas não possuem dados para análise e sete não se aplicam ao Brasil. Das 145 metas analisadas, 60 estão em retrocesso, 26 estão ameaçadas e apenas quatro apresentam desempenho satisfatório.
Na área social, das 85 metas relacionadas a este campo, 36 apresentam retrocesso, 10 estão ameaçadas e 12 estão estagnadas. Entre os problemas apontados pelo documento, nesta área, estão: o percentual do Orçamento da União destinado à redução da pobreza, que é praticamente o mesmo desde 2016, tendo ficado em 1,26% em 2019; a Emenda Constitucional 95, que sozinho suprimiu R$ 20 bilhões do SUS no ano passado; e a redução do investimento federal em educação de R$ 122 bilhões para R$ 107 bilhões entre 2018 e 2019, além do aumento do desemprego e da informalidade e do aumento de 20% nas mortes decorrentes de intervenção policial.
Em relação ao meio ambiente, das 90 metas relacionadas, 32 estão em retrocesso, 17 estão ameaçadas e 14 estagnadas. Houve, por exemplo uma queda de R$ 4,2 bilhões para R$ 306,2 milhões no orçamento de prevenção de desastres entre 2018 e 2019. Quase dez mil quilômetros quadrados da Amazônia foram destruídos, a maior taxa desde 2008, e o desmatamento em geral cresceu quase 30% no ano passado, sem falar dos 77 milhões de brasileiros que continuam sem acesso ao saneamento básico, dos 474 agrotóxicos liberados em 2019 (aumento de 220% em relação a 2014) e a taxa de emissão de gases de efeito estufa que se mantém no mesmo patamar de 2010, sem apresentar qualquer redução.
As desigualdades já eram conhecidas, mas a Covid-19 escancarou essa realidade. A desigualdade de renda é uma delas, é crucial e está presente nas outras desigualdades. O Brasil vive desde 2015 uma recessão econômica, com perda de empregos e redução da renda, o que penaliza, sobretudo, a população mais pobre. A pobreza, em queda acentuada até 2015, volta a crescer, assim como a extrema pobreza. Mas a piora da situação dos mais vulneráveis e o crescimento da desigualdade não pode ser atribuída unicamente à crise econômica, pois fica cada vez mais evidente que as políticas de austeridade adotadas, assim como as reformas trabalhista e previdenciária e o desmonte de programas de assistência social, intensificaram a pobreza estrutural.
O Relatório Luz é a única publicação no Brasil que oferece um panorama em 360 graus sobre o andamento da implementação da Agenda 2030 no país, organizada pela sociedade civil. No ano passado, o documento 2019 foi entregue, em mãos, ao secretário geral da ONU, António Guterres. Na edição 2020 os especialistas concluem que a concretização de todos os ODS está ameaçada e que vivemos uma “tragédia anunciada”.
“A tragédia que o Brasil vive hoje já vinha sendo anunciada. Em 2017, por exemplo, quando lançamos o primeiro Relatório Luz, apontávamos desafios nacionais em todos os setores. Já na segunda edição, mostramos que o país havia voltado ao mapa da fome. Na terceira edição, alertamos para o crescimento das desigualdades, que o Brasil já possuía 55 milhões de pobres e o investimento público em saúde era insuficiente para lidar com a demanda à época. Não é à toa que a Covid-19 está tomando essa proporção”, comenta Alessandra Nilo, coordenadora geral da ONG Gestos e cofacilitadora do GT Agenda 2030.
Recomendações – Para tentar ajudar o Brasil a superar as atuais crises social, econômica e ambiental, inclusive no contexto pós-pandemia da Covid-19, o grupo emitiu 156 recomendações. Entre elas, a revogação da Emenda Constitucional 95, conhecida como Teto de Gastos; a revisão ou revogação da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017); a revisão da Reforma Previdenciária (Emenda Constitucional 103); a implementação de uma Reforma Tributária Justa e Solidária com sistema progressivo; a regulamentação e implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas; e a implementação de uma Renda Básica universal e permanente que reduza as desigualdades, preserve e fortaleça o sistema de proteção social da população mais pobre.
A exemplo das três primeiras edições, o IV Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil busca, por meio da coleta e análise de dados, responder como os indicadores das metas da Agenda 2030 estão sendo aplicados na realidade brasileira. Isso é feito tomando por base os dados oficiais disponíveis. Nos casos em que inexistem informações oficiais, foram utilizados estudos produzidos pela sociedade civil ou pesquisas acadêmicas catalogadas na biblioteca SciELO ou Portal Capes, observados os critérios de série histórica e metodologia consolidada.
Desta vez, para tornar esse “termômetro” de implementação dos ODS no Brasil mais ilustrativo, a novidade é a inclusão de uma classificação de acordo com a evolução das metas analisadas: Retrocesso, quando as políticas ou ações correspondentes foram interrompidas, mudadas ou sofreram esvaziamento nos seus orçamentos; Meta ameaçada, quando ações ou inações têm repercussões que comprometerão o alcance futuro dela; Meta estagnada, se não houve nenhuma indicação de avanço ou retrocesso significativos estatisticamente; Progresso insuficiente, se a meta apresenta desenvolvimento lento, aquém do necessário para sua implementação efetiva; e Progresso satisfatório, quando a meta está em implementação com chances de ser atingida ao final do ano de 2030.
Em 2020, como não poderia deixar de ser, além da análise dos 17 ODS, a publicação traz o estudo de caso “Covid-19 e a Agenda 2030 no Brasil: é possível não deixar ninguém para trás?”. “O IV Relatório Luz sobre a Agenda 2030 mostra como já acumulávamos problemas no fornecimento de água e no saneamento, hoje tão importantes para tentar impedir o avanço da Covid-19. Problemas como diabetes, hipertensão, tabagismo, excesso de peso e obesidade representavam 72% das causas de morte no Brasil, por falta de hábitos mais saudáveis, do envelhecimento populacional e principalmente da ausência de políticas públicas eficazes para reverter esse quadro. Justamente condições que tornam as pessoas mais suscetíveis à doença e o país um ambiente ideal para o agravamento da pandemia”, reforça Carolina Mattar, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), outra cofaciltadora do GT.
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