Tarifa como ferramenta estratégica para universalização do saneamento

22/06/2020

 

No dia 7 de maio de 2020 aconteceu a Audiência Pública Tarifa como Ferramenta Estratégica para Universalização do Saneamento, uma iniciativa da Frente Parlamentar Ambientalista em Defesa das Águas e do Saneamento de São Paulo e o Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS. O evento foi realizado em ambiente virtual em um dos momentos mais críticos da contaminação pelo novo coronavírus, quando o mundo enfrenta enorme desafio: uma epidemia que se alastra de forma rápida e que acomete de forma diferenciada muitas pessoas, com maior ou menor gravidade. Porém, há um outro aspecto perverso: as pessoas que já se encontram em situação de vulnerabilidade são as que correm maior risco - tanto de contaminação como de complicações decorrentes desta doença, que vem apresentando índices elevados de letalidade mesmo em países desenvolvidos.

A parceria entre a Frente Parlamentar Ambientalista e o IDS surgiu da necessidade de se colocar o saneamento básico como um dos principais temas da atualidade, em especial no Brasil, país onde o acesso aos serviços de saneamento ainda apresenta resultados muito aquém da demanda e da necessidade da maior parte da população.

É neste cenário que a tarifa e os critérios e parâmetros para sua composição e estruturação se apresentam como uma ferramenta estratégica para alcançar níveis crescentes de acesso e a tão desejada universalização destes serviços, com qualidade e regularidade, como estabelece a legislação brasileira.

O evento buscou o alinhamento das discussões com o processo de revisão do regime tarifário praticado pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), processo este coordenado e operacionalizado pela Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo), e reuniu representantes da sociedade civil, da academia e da agência reguladora para debater aspectos fundamentais que devem ser considerados neste processo de revisão, com o objetivo principal de se estabelecer parâmetros mais amplos e estratégicos que garantam, por exemplo, a segurança hídrica e a universalização do acesso a serviços de qualidade.

A Audiência Pública contou com a abertura da Deputada Estadual Marina Helou (REDE/SP) – coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista de SP -, e de Carolina Mattar, coordenadora executiva do IDS.

Marina destacou a importância de haver espaços de debate, como a Frente Parlamentar, e de ser proporcionada ampla participação da sociedade em eventos como este. Ressaltou, ainda, que seu mandato buscou escolher, dentre os diversos temas mais importantes e urgentes da sociedade para atuação no Legislativo, aqueles que se caracterizassem como real necessidade da população, que façam sentido na vida das pessoas e que sejam de competência estadual.

Em relação ao tema da Audiência Pública, destacou que um dos grandes desafios da sociedade brasileira é o da superação dos atuais índices de acesso e de oferta dos serviços de saneamento, principalmente para a parcela mais vulnerável da população (residente em áreas periféricas das grandes cidades e em ocupações subnormais) e nos pequenos municípios.

Carolina destacou que este é um tema urgente e necessário e mais ainda em tempos de pandemia, por retratar uma situação dramática, principalmente para as famílias mais vulneráveis. Ressaltou que, na atualidade, a relação entre saúde e saneamento está ainda mais em destaque, e que espaços e discussões como este, proporcionado pela Frente Parlamentar, são fundamentais. Lembrou das propostas ("23 recomendações para aprimoramento da tarifa praticada pela Sabesp") feitas pelo IDS em 2019, baseadas em 4 princípios: universalização do acesso ao serviços de saneamento como essencial à saúde e ao bem estar da população; o acesso à água como um direito humano; o necessário cuidado com as fontes de água; e a gestão democrática da água. Finalizou destacando o tema da Audiência Pública, que considera a tarifa como ferramenta estratégica na gestão do saneamento e para a universalização do acesso aos serviços de saneamento.   

Para debater questões de relevada importância, o evento contou com a participação de Guilherme Checco, do IDS, de Sávio Mourão Henrique, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e de Luiz Antônio de Oliveira Jr. e Camila Cruz, ambos da Arsesp.

Ferramentas estratégicas para a universalização do acesso aos serviços de saneamento e para melhoria dos indicadores de saneamento no Brasil

Guilherme Checco (IDS) apresentou dados e informações que retratam o verdadeiro drama do saneamento no Estado de São Paulo, com números elevados de famílias/pessoas sem acesso à água potável e de volume de esgotos não tratados, que acarretam impactos negativos e significativos sobre a saúde humana e a qualidade do ambiente.

Neste sentido, afirmou, baseado em dados oficiais do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento – SNIS, que a tarifa de saneamento é a principal fonte de investimentos em água e esgoto no Brasil (85%) e em São Paulo (96%).

A partir dos resultados de relatórios produzidos pelo IDS sobre água, esgoto e segurança hídrica, foi dado destaque para a necessidade de incluir a segurança hídrica como ponto central na lógica e na estrutura de cálculo da tarifa, considerando aspectos fundamentais como a universalização do acesso aos serviços de saneamento, a justiça social e o respeito aos direitos humanos. Ressaltou, ainda, que diversas ações estratégicas devem ser consideradas nas políticas de saneamento, como o estímulo ao consumo consciente, a eficiência e o equilíbrio econômico-financeiro na prestação dos serviços. E, também, aspectos inovadores, não presentes na composição dos instrumentos econômicos, como a proteção das fontes de água e o conceito de cidadania hídrica.

Ainda com base nos estudos produzidos pelo IDS, Guilherme destacou três das 23 recomendações feitas à Sabesp para melhoria da prestação dos serviços pela companhia estadual, em relação à função que a tarifa de saneamento pode (e deve) cumprir: a garantia do direito à água e ao saneamento para as famílias em situação de pobreza, propondo que a tarifa social deva ter critérios justos e com valores adequados; a proteção das fontes de água, com a destinação de parte da tarifa para esta finalidade – cuidar dos mananciais; e a retenção dos dividendos do Governo do Estado de SP e seu direcionamento para a universalização dos serviços de saneamento, propondo que haja reinvestimento integral dos dividendos que o governo paulista (maior acionista) retira da Sabesp anualmente nestes serviços.

Destaca, por fim, que a tarifa de águas e esgotos é peça fundamental para estimular o uso racional das águas e elevar a eficiência na prestação dos serviços, de forma justa e transparente, por meio da cobrança conforme o consumo real, da transparência da conta de saneamento, do fornecimento de água limpa e de acesso a sistemas de saneamento, e da  proteção das fontes de água.

Sávio Mourão Henrique (UFABC) fundamentou sua apresentação tendo como referência a água como direito e a função da tarifa como instrumento para viabilizar este direito.

Ressaltou o fato de a água ser considerada, na legislação brasileira, como um bem público, essencial à vida, indispensável para o desenvolvimento humano e suas atividades, e como um recurso natural limitado em sua disponibilidade.

A partir destas premissas, trouxe novamente a legislação nacional como referencial para abordar o tema saneamento, definindo-o como um serviço público – portanto, de responsabilidade do setor público. Esclareceu que a prestação dos serviços de saneamento pode ser realizada diretamente ou delegada a terceiros, através de concessão à iniciativa privada ou a empresas públicas/mistas.

Ainda com base na legislação, destacou que a forma e o modelo de prestação dos serviços devem ser regulados por Agência Reguladora, esclarecendo que a regulação inclui a definição de parâmetros de qualidade dos serviços, a fiscalização e a definição de tarifas como ferramenta estratégica.

Na sequência, questionou que, se a legislação brasileira estabelece a universalização do acesso aos serviços como diretriz principal da política de saneamento, a definição da tarifa (através dos processos regulatórios) não deveria buscar atender – prioritária e obrigatoriamente – esta diretriz?

Neste sentido, destacou as atribuições e competências da Arsesp, relativas à objetividade no atendimento do interesse público e ao cumprimento e à obrigação de fazer cumprir as diretrizes da legislação nacional, para, em seguida, questionar a agência reguladora quanto a não considerar a universalização como critério para a definição da tarifa, já que é uma destas diretrizes.

Luiz Antonio Oliveira Jr. e Camila Cruz, representantes da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), discorreram sobre os principais aspectos da estrutura tarifária, a necessidade de revisão periódica, quais as principais mudanças nesta estrutura e como está se dando o processo de revisão no âmbito da agência.

A apresentação ilustrou, estabelecendo paralelo com situações do cotidiano, que a estrutura tarifária exige que se reconheça/identifique quais são os componentes da prestação dos serviços, quais recursos técnicos e humanos são necessários para a prestação dos serviços e quais recursos financeiros estão disponíveis para suportar todos os componentes anteriores.

Destacou que, num processo de revisão tarifária, são considerados alguns parâmetros, como o equilíbrio econômico financeiro, os investimentos aportados, as despesas operacionais, e a remuneração de capital e mercado. E que, na análise do órgão regulador, são considerados aspectos como a eficiência da prestação/do prestador, a qualidade da prestação dos serviços, e a universalização do acesso aos serviços.

Ressaltou, que, neste sentido, o papel do órgão regulador é identificar e diferenciar os beneficiários e os usuários dos serviços de acordo com suas características relacionadas à demanda, à necessidade, ao uso/consumo e à capacidade de pagamento, buscando atender ao disposto na legislação nacional e garantir o direito de acesso à água e ao saneamento.

Esclareceu que a estrutura tarifária se caracteriza como a forma como os serviços são cobrados dos usuários para obter a tarifa requerida, ou seja, a obtenção dos recursos necessários para efetiva e adequada prestação dos serviços. Para tanto, estes recursos devem ser suficientes e destinados à atender os aspectos econômicos, sociais e à universalização dos serviços.

Os representantes da agência reguladora apresentaram os princípios observados na (e para a) definição da estrutura tarifária e em seu processo de revisão, sendo o primeiro princípio a aderência aos custos, considerando a segregação dos custos por componente e etapa do processo de prestação do serviços, a capacidade de pagamento, considerando este como serviço público essencial, e os incentivos tarifários, como instrumento de incentivo e estímulo às boas práticas de uso consciente e racional, de proteção ambiental, etc.

Para justificar a necessidade de revisão, foi apresentado histórico evolutivo do setor e dos serviços de saneamento, com destaque para a grande oscilação e variação da realidade social e econômica do país ao longo dos últimos 50 anos, desde a vigência do PLANASA (década de 1970).

Na sequência, foram apresentadas as etapas do processo de revisão tarifária, desde os prazos e períodos, até os produtos previstos, considerando a definição dos principais grupos que compõem a estrutura tarifária:

– tarifa diferenciada

– consumo mínimo X parcela fixa+variável de consumo

– tarifa social

– tarifas não residenciais

 

A manifestação teve sequência com a apresentação das etapas deste processo, que são parte integrante da Agenda Regulatória 2020-2021 e definidas por meio das Deliberações Arsesp nº 866/19 (que definiu as diretrizes regulatórias a serem adotadas pela SABESP na elaboração de proposta para nova estrutura tarifária) e nº 951/2020 (que definiu o cronograma com as etapas, a descrição das atividades e as datas previstas para cada atividade).

Encerrando, os representantes da Arsesp reforçaram que, ao final de 2020, serão concluídos os estudos e haverá a definição do plano de implantação, que deve ocorrer entre um ou dois ciclos tarifários – correspondentes a um período de 4 a 8 anos.

A participação do público foi bastante rica e propositiva, contando com representantes de serviços públicos municipais, de organizações sociais, de entidades técnicas e de universidades, que, juntamente com os palestrantes, reforçaram as propostas relacionadas à tarifa social, à prestação dos serviços de saneamento como políticas públicas e de seu necessário planejamento, à proteção das áreas produtoras de água (mananciais), ao atendimento das condições necessárias para prestação dos serviços com regularidade e qualidade, à abrangência territorial dos planos municipais, ao formato de comunicação (mais pedagógica e acessível), ao controle de perdas, à necessidade de se experimentar e implementar soluções baseadas na natureza, à manutenção da fiscalização pela agência reguladora em tempos de pandemia (que exige distanciamento e isolamento social), entre outros aspectos.
 

A Audiência Pública – Tarifa como Ferramenta Estratégica para Universalização do Saneamento buscou contribuir com o processo de revisão do regime tarifário em curso e coordenado pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), caracterizando-se como uma ação que uniu o poder público (executivo e legislativo), as organizações da sociedade civil e a academia para discutir critérios e parâmetros orientadores deste processo de revisão.

A Audiência Pública foi gravada e o vídeo pode ser acessado na íntegra pelo canal do IDS e do mandato da Deputada Estadual Marina Helou (coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista de SP) no YouTube. ACESSE O VÍDEO 

As contribuições e proposições trazidas durante o evento deverão ser apresentadas nas etapas de consulta pública do processo de revisão do regime tarifário, por meio das entidades e organizações envolvidas.

As apresentações estão disponíveis abaixo.

Guilherme Checco

Sávio Mourão

Luiz Antonio e Camila Cruz

 

E no dia 26 de JUNHO haverá  uma nova audiência pública organizada pela Arsesp, abrindo o processo da 3a Revisão Tarifária da Sabesp. 

Será de 14h30 às 18h30 aberta à participação de pessoas físicas ou jurídicas interessadas no assunto. FICHA de Inscrição.

O link para ingresso ao ambiente virtual será fornecido aos inscritos nos e-mails informados no formulário de inscrição.

Síntese do debate realizada de forma colaborativa pela equipe do Mandato da Dep. Estadual Marina Helou (REDE/SP) e do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

 

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