13/12/2019
Aconteceu no último dia 26 de novembro o primeiro encontro da iniciativa Pacto Federativo para Agenda 2030. O seminário "O papel dos governos locais frente à crise climática" reuniu representantes dos setores público, privado, da academia e da sociedade civil para debater como os governos locais podem exercer efetivamente sua autonomia para serem, junto com a população, protagonistas do desenvolvimento sustentável do Brasil.
O evento deu início a um ciclo de debates que discutirá caminhos e propostas para o aprimoramento da governança política brasileira, compreendendo, a partir da diversidade e perspectivas de diferentes atores e entidades, as possibilidades e entraves do arranjo político que foi pactuado na nossa Constituição de 88, o Pacto Federativo. A situação fiscal em se encontra a enorme maioria dos 5.570 municípios brasileiros, com orçamentos no vermelho, e o aumento das desigualdades no país, com 13,5 milhões de pessoas na pobreza extrema, colocam as regras de redistribuição dos recursos públicos e os investimentos governamentais no centro deste complexo debate sobre a nossa truncada federação.
Sabendo que não há “bala de prata” para melhorar esse cenário, que se agrava ainda mais com a incapacidade das cidades de responderem aos desafios crescentes impostos pelas mudanças climáticas, organizações da sociedade civil e da academia se reuniram para discutir alternativas e promover as transformações políticas, sociais e econômicas necessárias para a federação brasileira rumar para 2030 atingindo em todos os cantos do país os objetivos do desenvolvimento sustentável. A iniciativa é do IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, do Instituto Ethos, Escolhas e do Programa Cidades Sustentáveis, e contou com o apoio da Unibes Cultural.
É certo que discutir o pacto federativo é tarefa complexa, que exige esforço do conjunto da sociedade para compreender e aprimorar por meio do diálogo os diferentes vetores que se interconectam nesse arranjo. Se bem um dos maiores problemas identificados pelos convidados, para promoção de um desenvolvimento que supere as desigualdades e promova o bem-estar, tenha sido o das questões tributárias e orçamentárias, a solução proposta para melhor governança e promoção de políticas públicas foi de um modelo de gestão transversal e interdisciplinar que alie diferentes agentes, tanto do poder público, como da sociedade civil e do setor empresarial, em uma agenda convergente. Essas questões não podem ser discutidas indissociadamente.
Outro consenso é de que se faz necessário assumir o espírito descentralizador da Constituição de 88 para que os municípios não dependam quase que majoritariamente do repasse de recursos da União e dos estados e possam ter autonomia não apenas no exercício das suas competências, mas também na arrecadação e gestão dos seus próprios recursos financeiros e naturais. Olhar para os municípios, suas capacidades e potencialidades e fortalecer o protagonismo dos poderes locais será de extrema importância para resolver os graves problemas que o Brasil e o mundo enfrentam atualmente, de ordem ambiental (como emissão de CO2, saneamento básico e proteção dos mananciais) e socioeconômica (redução das desigualdades, melhores índices de educação e saúde, entre outros ods).
Cooperação é saída para orçamentos apertados
A implementação de políticas públicas urbanas sustentáveis por vezes é prejudicada pela falta de verba para a agenda ambiental no município. A cooperação entre secretarias estaduais e municipais que podem trabalhar de maneira integrada para alcançar um objetivo comum, como por exemplo, vinculando políticas de redução das emissões de carbono e de preservação e uso sustentável dos recursos naturais às pastas de transporte, mobilidade urbana e moradia, foi apresentada como um dos poucos caminhos para superar esse obstáculo pelos debatedores. Eduardo Jorge, que participou da primeira mesa de debate do seminário, relatou sua experiência à frente da Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município de São Paulo entre os anos de 2005 e 2012, quando as pastas de meio ambiente e de transporte trabalharam em conjunto para a renovação do sistema viário da cidade a fim de reduzir os impactos da poluição do ar.
Ainda assim, a falta de planejamento de longo prazo pelos governos, o histórico clientelista arraigado nas relações de poder nas diferentes esferas públicas, bem como as mudanças dos quadros administrativos a cada eleição municipal, estadual ou federal foram apontados como problemas críticos para continuidade das políticas públicas e melhoria dos índices de desenvolvimento humano no país. Segundo a prefeita de São Bento do Una / PE e líder RAPS, Débora Almeida, muitas das medidas tomadas em uma gestão não são levadas adiante na seguinte, o que causa um grande prejuízo de tempo e dinheiro para o município.
A importância da cooperação também foi trazida por Glauber Piva, chefe de gabinete da Secretaria Executiva do Consórcio Nordeste, uma parceria jurídica entre 9 estados da região que tem como objetivo promover o desenvolvimento e a melhoria das políticas públicas nos estados consorciados, por exemplo, facilitando os processos de compras e buscando conjuntamente investimentos para região.
Isto é, estados e municípios podem aprimorar a gestão do seu território, mobilizando recursos já disponíveis e articulando parcerias e atores estratégicos para seus objetivos, como também destacou Daniel Montandon, consultor em Planejamento Urbano da ONU-Habitat, quem apresentou mecanismos e instrumentos de financiamento acessíveis para políticas locais alinhadas à Nova Agenda Urbana e ao ODS 11 da Agenda 2030.
O papel das parcerias entre o setor privado e o poder público para o desenvolvimento local e as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas não ficou de fora do debate. De acordo com Tatiana Araujo, assessora sênior de Projetos e Processos do CEBDS, Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, diversas indústrias têm se colocado como agentes responsáveis e comprometidos com a pauta ambiental e trabalhado para reverter o quadro de crise, em parceria com os governos locais.
Descentralização, participação e controle social
A participação ativa da sociedade civil local foi um dos elementos trazidos pelos participantes como fundamentais para o sucesso das ações nos territórios. A valorização e a exploração consciente das riquezas locais naturais para o desenvolvimento sustentável foram possíveis no sul da Bahia por meio da parceria entre produtores e a população da região, por exemplo. Esse caso inspirador foi apresentado por Marcelo Cabral, gerente do Programa de Cidades e Territórios do Instituto Arapyaú, que desenvolve um programa de fortalecimento e dinamização da cadeia do cacau e chocolate no sul da Bahia, junto à rede de parceiros locais.
Para o professor e advogado Sebastião Tojal, que também esteve presente em uma das mesas do debate, o Brasil mantém sua histórica política centralizadora e não reconhece de fato a autonomia dos municípios acordada no Pacto Federativo. O fortalecimento da democracia e o diálogo seriam as únicas formas de valorizar as ações locais para geração de renda, considerando as capacidades e os potenciais econômicos dos municípios e garantindo assim o bem-estar social e o desenvolvimento realmente sustentável para todo o país.
Autonomia X realidade fiscal dos municípios
A dificuldade de os municípios conseguirem gerar seus próprios recursos, quando a maior parte das receitas tributárias estão centralizadas na União, também foi tema presente durante o debate. Números do Índice Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) apresentados por Nayara Freire, analista de Estudos Econômicos da instituição, mostram que 73,9% apresentaram uma gestão fiscal difícil ou crítica. Os números apontam que dois mil municípios não são capazes de gerar localmente recursos suficientes para arcar com as despesas administrativas e que os gastos com pessoal para a manutenção das estruturas públicas ultrapassam os 54% em metade das prefeituras.
Já a posição do diretor executivo da Associação Brasileira de Municípios, Eduardo Tadeu, foi contundente ao reforçar que a parte dos tributos arrecadados por outros entes federados (como o ICMS, de competência dos estados) mas que são redistribuídos para os municípios pelas regras de transferências constitucionais, normalmente consideradas “receitas externas”, são na verdade dos próprios municípios. Outro elemento destacado por Eduardo foi o elevado custo transacional e político que a judicialização da administração pública gera, tornando a burocracia mais um entrave para o desenvolvimento.
A questão da dependência que muitos municípios, em especial os pequenos, têm das transferências de “recursos externos” via FPM (Fundo de Participação dos Municípios), verbas compensatórias, entre outros, começa assim a ganhar novos contornos, que desenham caminhos e aprimoramentos possíveis para governança federativa, democrática e sustentável do Brasil, coerentes com a diversidade e pluralidade do território brasileiro.
Pacto Federativo para Agenda 2030
O primeiro seminário “O papel dos governos locais frente à crise climática” faz parte da iniciativa “Pacto Federativo para Agenda 2030”, uma ação conjunta que uniu organizações da sociedade civil e da academia para discutir os mecanismos do pacto federativo e sua melhoria para a construção de um país mais democrático e sustentável. A iniciativa, que irá promover ainda 4 encontros como esse, terá como fruto ao final do ciclo de debate, a elaboração de uma plataforma para as eleições municipais de 2020 para informar a população sobre o assunto.
O seminário foi gravado e os vídeos podem ser acessados na íntegra pelo canal do IDS no YouTube. Em breve as organizações divulgarão também uma síntese das propostas de melhorias e soluções para os atuais entraves do pacto federativo trazidas durante o evento.
O evento contou com dois artistas que traduziram o conteúdo do seminário em desenhos. Veja o trabalho deles abaixo:
Acesse as apresentações aqui:
Daniel Montandon, consultor em Planejamento Urbano da ONU-Habitat
Glauber Piva, chefe de gabinete da Secretaria Executiva do Consórcio Nordeste
Nayara Freire, analista de Estudos Econômicos da Firjan
Tatiana Araujo, assessora sênior de Projetos e Processos do CEBDS
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